terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

UM HOMEM CHAMADO OVE


Antonio Carlos Egypto




UM HOMEM CHAMADO OVE (En Man Som Heter Ove).  Suécia, 2016.  Direção: Hannes Holm.  Com Rolf Lassgard, Bahar Pars, Ida Engvoll, Filip Berg.  116 min.



Um bom personagem, que fuja dos clichês e estereótipos, que se revele humano e complexo, é meio caminho andado para um bom filme.  Ove é um personagem assim, embora, de início, ele se apresente como um sujeito simplório, pouco inteligente e rígido ao extremo.

Ele se apega a regras que, no fundo, ele mesmo criou como síndico de um condomínio e incomoda todos que por lá circulam, para se assegurar de uma existência pobre, mas segura.  Pobre, no sentido espiritual.  Afinal, estamos na Suécia e a classe média baixa por lá vive bem.  Muito bem atendida em suas necessidades básicas.

Ove chega aos 59 anos já viúvo e agora aposentado contra sua vontade, pouco lhe resta para usufruir da vida.  Pelo menos, é assim que ele encara as coisas: não existiu nada antes de Sonja (sua mulher morta) e nada haverá depois dela.  Com isso, ele se afunda num niilismo pessoal, se afasta de tudo e de todos, de forma mal-humorada e agressiva e, consequentemente, decide se suicidar.  Mas morrer não é nada fácil e suas tentativas costumam ser desastradas.




Existe também a alteridade e mesmo que se desejem negar a existência, os direitos e as necessidades dos outros, eles estão lá e podem se impor, goste-se ou não disso. Quem é o ser humano sem o outro, que pode incomodar, sim, mas também pode ressignificar a sua própria vida?  Que sorte tem o Ove que as pessoas não o abandonem, não porque sejam altruístas, mas porque ele tem algo a dar sempre, apesar das evidências em contrário.

É por aí que o filme avança na humanidade de seu personagem e nos faz refletir sobre o que é a nossa vida.  A partir de situações comezinhas, banais, as coisas se mostram e podem ser descobertas.  Uma história também vai se revelando e, por mais simples e corriqueira que pareça, é emocionalmente forte e marcante.



O filme se baseia no best seller A Man Called Ove, de Fredrik Backman, que eu não conheço, mas percebe-se que o diretor Hannes Holm quis aproveitar as muitas (todas?) situações do romance.  Se é verdade que isso amplia o universo de Ove, por outro lado, dispersa um pouco o interesse.  Muita coisa é dispensável, não acrescenta à temática principal e, se melhor editado, poderia deixar o filme mais enxuto e focado.  No texto escrito, faz mais sentido do que na tela.  Fidelidade excessiva ao romance costuma ser uma armadilha para o cinema.  Aqui há alguma perda, mas “Um Homem Chamado Ove” se sustenta bem no seu clima doce azedo, em que cabem a angústia, o drama, a tragédia do passado e, ao mesmo tempo, muito humor e muita ternura.  O afeto como reparador da rigidez e da intolerância, caminho de descoberta.

Conta-se aqui uma boa história, a partir de um bom personagem.  E isso se faz de uma maneira honesta, limpa.  Não é tão original, mas é muito bom o caminho trilhado pela narrativa.  Rolf Lassgard é ótimo como Ove, sustenta o filme o tempo todo.  Filip Berg, que faz Ove jovem, também dá conta do recado.  E as duas mulheres protagonistas são ótimas: Bahar Pars, que faz a amiga Parvaneh, e Ida Engvoll, a esposa Sonja, têm grande expressividade e beleza.  Acrescentam ao filme uma luminosidade que lhe é essencial.





“Um Homem Chamado Ove” está entre os selecionados para a disputa do Oscar de filme estrangeiro, ou filme de língua não-inglesa.  O que já lhe garante destaque e boa distribuição internacional.  Tem méritos para isso.


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