quarta-feira, 31 de agosto de 2016

A COMUNIDADE


Antonio Carlos Egypto




A COMUNIDADE (Kollektivet).  Dinamarca, 2015.  Direção e roteiro: Thomas Vinterberg.  Com Ulrich Thomsen, Trine Dyrholm, Lars Ranthe, Fares Fares, Lise Koefoed.  111 min.



Uma casa linda e enorme, em lugar privilegiado de Copenhague, chega de herança para Erik (Ulrich Thomsen), casado com Anna (Trine Dyrholm).  O desejo de viver numa casa assim só se viabiliza envolvendo outras pessoas e isso parece encantar Anna, que acaba por convencer o marido a montar uma comunidade com pessoas amigas e conhecidas.  Estamos em 1975 e a ideologia do movimento hippie, de paz, amor e vida coletiva, de preferência na natureza, estava em alta.

Ao contar essa história, o filme de Thomas Vinterberg, “A Comunidade”, procura fazer uma radiografia do que está em jogo nas relações humanas, em uma proposta como essa.  Para começar, conviver com todo tipo de diferenças: de classes sociais, crenças, religiões, características de personalidade, aspectos geracionais, sentimentos que afloram uns em relação aos outros, medos, ansiedades, excessos, excentricidades.  É preciso estabelecer regras claras de funcionamento e de como punir quem não as cumprir.  As decisões têm de ser tomadas de forma coletiva e democrática.




Há ainda a questão da posse do imóvel e do aluguel.  Por exemplo, em uma das reuniões da casa, decidiu-se que o aluguel a ser pago por cada um deveria ser proporcional à sua renda, o que acabou produzindo um aumento brutal no aluguel do membro mais rico.

Viver em comunidade supõe uma dedicação ao coletivo muito rara de se encontrar em quem foi educado nos cânones individualistas de um capitalismo altamente competitivo.  É bonito, sobretudo para as crianças, conviver numa família maior, enorme e calorosa.  Mas o desapego dos pais precisa ser muito grande, também.  Alguns não resistirão por muito tempo e cairão fora.  Parece inevitável.




Mudanças como essas, para serem possíveis e duradouras, exigem um teste de realidade que, mais cedo ou mais tarde, se imporá. Se o principal atingido for o casal de intelectuais que concebeu o experimento, a coisa se complica muito.

Experiências de vida coletiva, de inspiração socialista, parecem produzir um tipo de felicidade que tem hora para acabar.  Pelo menos, no nosso contexto socioeconômico capitalista.  Em que pese o êxito do Estado de Bem-Estar Social construído na Escandinávia, que resiste lá até hoje.  As questões econômicas podem pesar menos para cada um, nos países ricos, mas a realização do sonho coletivo ainda não encontrou registro histórico palpável.




Estou, naturalmente, pensando em cima da provocação que o filme “A Comunidade” me fez.  É que esse novo trabalho do diretor dinamarquês Thomas Vinterberg lida com a complexidade do tema de forma competente e com profundidade.  O realizador de “Festa de Família”, de 1988, “Submarino”, de 2010, e “A Caça”, de 2012, enfrenta questões sérias com coragem e não teme a polêmica.  É um grande cineasta.


O elenco é igualmente muito bom.  Rende bem.  O casal de protagonistas, que enfrenta questões emocionais mais intensas, mostra do que é capaz, em papéis difíceis.  Ulrich Thomsen é um talento reconhecido, tem uma larga carreira no cinema e TV escandinavos.  Trine Dyrholm, também, e recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Berlim deste ano, por este filme.



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