quarta-feira, 24 de agosto de 2016

CINEMA ITALIANO


Antonio Carlos Egypto


O cinema italiano tem uma tradição histórica de criatividade, talento, inovação e comunicação com o público invejáveis.  Desde o pós-Segunda Guerra Mundial, com a eclosão do movimento cinematográfico do neorrealismo até, pelo menos, o final dos anos 1980, a Itália esteve no topo da qualidade do cinema mundial.  Grandes cineastas que marcaram forte contribuição para a história do cinema, como Fellini, Antonioni, Pasolini, Visconti, Roberto Rossellini, Ettore Scola, Vittorio De Sica, Valerio Zurlini, Mario Monicelli, faziam parte desse time. 

Atores icônicos, como Marcello Mastroianni e Vitorio Gassman, e atrizes, como Sophia Loren, Gina Lollobrigida e Silvana Mangano, são exemplos de grandes intérpretes do cinema italiano.   E que dizer dos roteiristas, dos grandes diretores de fotografia, de músicos da dimensão de um Nino Rota?  O cinema italiano é reverenciado pelos cinéfilos e pelo público em geral, que viveu e acompanhou essa história toda.




Hoje, como está o cinema italiano?  Tentando corresponder ao passado glorioso que lhe foi legado, mas não dá para encarar.  E é até injusto esperar algo semelhante.  Não tem como comparar.  É como esperar que a atual seleção brasileira de futebol se equiparasse à de Pelé, Tostão, Gerson e Rivelino, de 1970.  Tem Neymar e a medalha olímpica, assim como a Itália tem um Nanni Moretti, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Quem quiser conferir de perto a produção italiana atual tem a chance de acompanhar a 8 1/2 Festa do Cinema Italiano, de 25 a 31 de agosto, em 7 capitais brasileiras: São Paulo, Rio, Brasília, Belo Horizonte, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre.  Serão exibidos 7 filmes inéditos bem recentes, sendo um também inédito, de 2004.  Além disso, está em cartaz regular nos cinemas a comédia “Funcionário do Mês”, grande sucesso de bilheteria na Itália.  Vou fazer um rápido comentário sobre os filmes que eu vi.

LOUCAS DE ALEGRIA (La Pazza Gioia), 2016.  Direção de Paolo Virzì.  Com Valeria Bruni Tedeschi, Micaela Ramazzotti, Anna Galiena, Valentina Carnelutti.  118 min.

Comédia maluca, sobre mulheres com distúrbios mentais, consideradas socialmente perigosas, vivendo numa clínica psiquiátrica.  Quando duas delas saem para o mundo exterior, tudo pode acontecer.  O problema é a visão de loucura que o filme passa, reforçando preconceitos e a ideia de encarceramento e controle como indispensáveis.  Tem até uma cena em que uma delas pede um eletrochoque.  Aí não dá.  Tem um toque libertário, do tipo “Thelma e Louise”, mas é ideologicamente questionável a abordagem do filme.  De resto, a produção é boa e o elenco, forte.


Loucas de Alegria


AMOR ETERNO (La Corrispondenza), 2016.  Direção: Giuseppe Tornatore.  Com Jeremy Irons, Olga Kurylenko.  116 min.

Filme falado em inglês, do diretor de “Cinema Paradiso”, de 1988, com o inglês Jeremy Irons e a ucraniana Olga Kurylenko em ótimos desempenhos.  Se os cientistas conseguem se comunicar com estrelas que já morreram, por que os seres humanos não poderiam também se relacionar amorosamente, após a morte de um deles, pelo menos por alguns meses?  Para isso, é possível se valer não só da capacidade de planejamento como dos mais modernos recursos tecnológicos disponíveis.  Romance que exagera na dose, no apelo emocional, apesar da engenhosidade da proposta.  Não corresponde ao que os nomes envolvidos criam de expectativas positivas.  Os muito românticos devem curtir.


Amor Eterno


AS CONFISSÕES (Le Confessioni), 2016.  Direção de Roberto Andò.  Com Toni Servillo, Daniel Auteuil, Connie Nielsen, Pierfrancesco Favino.  100 min.

Uma reunião de ministros de economia dos países mais fortes do mundo, o G8, inclui, por razões algo misteriosas, mas pessoais, do líder do encontro, um monge católico, papel de Toni Servillo, o grande ator italiano do momento.  Em discussão, a manipulação dos destinos das nações e as consequências que decisões que estão para serem tomadas podem causar às pessoas.  O capitalismo, tecendo seus fios globais, com suas dúvidas e seus remorsos.  Um outro mundo é possível.  Legal.  O problema é que nesse filme a única alternativa que se apresenta são os valores religiosos.  Não há nada no meio, entre a crueldade dos mercados e a concepção cristã do mundo, externada por um padre.  E que padre: o ator Toni Servillo.


As Confissões


AS CONSEQUÊNCIAS DO AMOR (Le Conseguenze dell’ Amore), 2004.  Direção: Paolo Sorrentino.  Com Toni Servillo, Olivia Magnanio.  100 min.

Uma história que envolve assassinatos e máfia, contada em tom baixo e completamente misterioso.  Absolutamente nada é explicado ao espectador da vida de um estranho senhor depressivo, solitário, calado a ponto de nem responder cumprimentos e que esconde um grande segredo.  Ao contrário do que pregava Hitchcock, como tudo fica escondido, não há sintonia ou cumplicidade com o espectador.  Mais para o final do filme, em vez de mostrar a vida do referido personagem, é ele quem fala tudo para a moça com quem se envolveu.  Tanto mistério para ser contado de uma vez só, quando já perdemos o interesse pela história.  Erro tático do diretor Paolo Sorrentino, de “A Grande Beleza”, de 2013 e “Juventude”,de 2015, em seu primeiro longa ficcional.  Dá para entender por que o filme permaneceu inédito no circuito, apesar de contar também com Toni Servillo como protagonista, num desempenho contido, perfeito.


Funcionário do Mês


FUNCIONÁRIO DO MÊS (Quo Vado), 2016.  Direção: Gennaro Nunzianto.  Com Checco Zalone, Eleonora Giovanardi, Sonia Bergamasco, Maurizio Micheli.  86 min.

Ótima comédia sobre a luta pela preservação de direitos, hoje tão ameaçados pelas políticas de austeridade na Europa, aqui e mundo afora.  Funcionário público com um emprego fixo garantido, solteiro e sem filhos, vive no melhor dos mundos numa pacata cidade italiana.  Até que o governo decide remanejar os postos de trabalho, tentando estimular demissões voluntárias, mediante gratificações.  Mas não para ele, que desde a escola primária desejava um posto fixo.  A luta para manter esse posto vai  levá-lo até a aceitar a incumbência de atuar junto a pesquisadores italianos, em um centro norueguês, no Polo Norte.  A ideia da comédia não é nova, mas a discussão do momento, envolvendo o Estado de Bem-Estar Social em declínio, a torna muito atual e as situações são engraçadas.  Megasucesso com o comediante Checco Zalone.



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