Antonio
Carlos Egypto
NOSTALGIA DA LUZ (Nostalgia
de la Luz). Chile, 2010. Direção: Patrício Guzmán. Documentário.
90 min.
“Nostalgia da Luz”, do cineasta chileno Patrício
Guzmán, é um dos melhores documentários que eu vi na vida. É, ao mesmo tempo, uma obra poética de grande
beleza plástica e um dos mais contundentes documentos políticos já feitos.
No deserto de Atacama, no Chile, um lugar com
características especiais, situado a 3 mil metros de altitude, estão instalados
equipamentos de última geração, que permitem a astrônomos do mundo inteiro a
observação de galáxias distantes e a pesquisa dos limites do nosso
universo. O céu translúcido do deserto é
favorável a isso.
No filme, enquanto um imenso telescópio é
esquadrinhado pela câmera, astrônomos e arqueólogos nos falam de como se podem
buscar as origens do mundo quando se miram as estrelas, os planetas, as
galáxias. E como foi possível buscar as
origens do homem na terra, escavando e encontrando dezenas de vestígios do ser
humano há cerca de dez mil anos. O calor
forte e o clima muito seco permitem a conservação de ossadas por longuíssimo tempo.
Pelo amplo terreno do deserto de Atacama estão
espalhados restos mortais de prisioneiros políticos da ditadura militar imposta
por Pinochet ao país, a partir de 1973.
Familiares desses “desaparecidos” do regime estão em busca de ossadas
que possam identificá-los, para poderem viver e dormir em paz, enterrando seus
mortos adequadamente. Depoimentos emocionados dão conta do que é essa procura. Uma busca que, em muitos aspectos, se
assemelha à dos astrônomos: tão difícil quanto, mas muito dolorida.
Guzmán explora essa dupla situação com maestria,
combinando, tanto visualmente quanto no sentido de uma busca incessante,
descobertas e frustrações, essa batalha de pessoas obstinadas que nunca perdem
a esperança. Olhando o céu ou escavando
a terra, elas têm uma missão que não pode ser abandonada. “Nostalgia da Luz” é um filme notável,
belíssimo e politicamente forte.
Foi exibido pela primeira vez por aqui na 34ª. Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo no mesmo ano de sua realização, 2010,
quando o vi e jamais me esqueci, tal o impacto que me causou. Em 2012, voltei a vê-lo no cinema, numa mostra
de documentários latino-americanos, na Cinemateca Brasileira. Pensei que nunca seria exibido no circuito
comercial dos cinemas. Cinco anos
depois, finalmente, ele entra em cartaz.
É um programa imperdível.
Patrício Guzmán é um dos maiores documentaristas do
mundo. Foi responsável por uma
antológica trilogia de documentários, denominada “A Batalha do Chile”,
realizada de 1973 a 1979, um retrato impressionante do processo político
chileno sob a condução de Salvador Allende, até o bombardeio do Palácio de la
Moneda e a morte do presidente. O vasto
material gravado, que deu origem aos três filmes, só conseguiu sair do país
graças a estrategemas diversos, apoio decisivo no exterior e, como sempre,
contando com uma boa dose de sorte. Há
uma edição em DVD com os três filmes e um quarto volume, sobre o trabalho do
cineasta Patrício Guzmán. Quem ainda não
conhece pode ir atrás, que vale muito a pena.
Além de aproveitar a oportunidade para ver “Nostalgia da Luz” nos
cinemas.
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