sábado, 28 de fevereiro de 2015

NOSTALGIA DA LUZ


Antonio Carlos Egypto




NOSTALGIA DA LUZ (Nostalgia de la Luz).  Chile, 2010.  Direção: Patrício Guzmán.  Documentário.  90 min.


“Nostalgia da Luz”, do cineasta chileno Patrício Guzmán, é um dos melhores documentários que eu vi na vida.  É, ao mesmo tempo, uma obra poética de grande beleza plástica e um dos mais contundentes documentos políticos já feitos.

No deserto de Atacama, no Chile, um lugar com características especiais, situado a 3 mil metros de altitude, estão instalados equipamentos de última geração, que permitem a astrônomos do mundo inteiro a observação de galáxias distantes e a pesquisa dos limites do nosso universo.  O céu translúcido do deserto é favorável a isso.




No filme, enquanto um imenso telescópio é esquadrinhado pela câmera, astrônomos e arqueólogos nos falam de como se podem buscar as origens do mundo quando se miram as estrelas, os planetas, as galáxias.  E como foi possível buscar as origens do homem na terra, escavando e encontrando dezenas de vestígios do ser humano há cerca de dez mil anos.  O calor forte e o clima muito seco permitem a conservação de ossadas por longuíssimo tempo.




Pelo amplo terreno do deserto de Atacama estão espalhados restos mortais de prisioneiros políticos da ditadura militar imposta por Pinochet ao país, a partir de 1973.  Familiares desses “desaparecidos” do regime estão em busca de ossadas que possam identificá-los, para poderem viver e dormir em paz, enterrando seus mortos adequadamente. Depoimentos emocionados dão conta do que é essa procura.  Uma busca que, em muitos aspectos, se assemelha à dos astrônomos: tão difícil quanto, mas muito dolorida.

Guzmán explora essa dupla situação com maestria, combinando, tanto visualmente quanto no sentido de uma busca incessante, descobertas e frustrações, essa batalha de pessoas obstinadas que nunca perdem a esperança.  Olhando o céu ou escavando a terra, elas têm uma missão que não pode ser abandonada.  “Nostalgia da Luz” é um filme notável, belíssimo e politicamente forte.




Foi exibido pela primeira vez por aqui na 34ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo no mesmo ano de sua realização, 2010, quando o vi e jamais me esqueci, tal o impacto que me causou.  Em 2012, voltei a vê-lo no cinema, numa mostra de documentários latino-americanos, na Cinemateca Brasileira.  Pensei que nunca seria exibido no circuito comercial dos cinemas.  Cinco anos depois, finalmente, ele entra em cartaz.  É um programa imperdível.




Patrício Guzmán é um dos maiores documentaristas do mundo.  Foi responsável por uma antológica trilogia de documentários, denominada “A Batalha do Chile”, realizada de 1973 a 1979, um retrato impressionante do processo político chileno sob a condução de Salvador Allende, até o bombardeio do Palácio de la Moneda e a morte do presidente.  O vasto material gravado, que deu origem aos três filmes, só conseguiu sair do país graças a estrategemas diversos, apoio decisivo no exterior e, como sempre, contando com uma boa dose de sorte.  Há uma edição em DVD com os três filmes e um quarto volume, sobre o trabalho do cineasta Patrício Guzmán.  Quem ainda não conhece pode ir atrás, que vale muito a pena.  Além de aproveitar a oportunidade para ver “Nostalgia da Luz” nos cinemas.


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