Antonio Carlos Egypto
QUANDO EU ERA VIVO.
Brasil, 2013. Direção: Marco
Dutra. Com Marat Descartes, Antonio
Fagundes, Sandy Leah, Gilda Nomacce, Kiko Bertholini, Tuna Dwek. 109 min.
O cinema brasileiro explora pouco o gênero do horror,
do fantástico. Com a relevante exceção
de José Mojica Marins, o Zé do Caixão.
Fora ele, pouca gente tem se aventurado.
Marco Dutra, em parceria com Juliana Rojas, já havia feito uma ótima
incursão nesse terreno, com o filme “Trabalhar Cansa”, de 2011, partindo do
realismo do mundo do trabalho, de forma concreta, para chegar a monstros
emparedados.
Em “Quando Eu Era Vivo”, Marco Dutra dirige uma
adaptação do livro “A Arte de Produzir Efeito Sem Causa”, de Lourenço
Mutarelli. O autor do livro tem uma
participação especial no filme.
Os temas trabalhados são os vínculos familiares, os
fantasmas que por ali circulam e a questão de como lidar com o passado, que
assombra, pode paralisar, mas foi quando os afetos se consolidaram. A loucura, o bem e o mal, não poderiam faltar
ao gênero. Mas o interessante aqui é que
seus limites e possibilidades estão bastante borrados, de modo que é difícil
saber o que é uma coisa e o que é a outra.
Esse suspense se sustenta até o fim do filme e traz surpresa.
O embate fundamental se dá entre Júnior (Marat
Descartes), recém separado por meio de um divórcio traumático, que retorna à
casa paterna, e Sênior (Antonio Fagundes), seu pai viúvo, que está tratando de
reconstruir sua vida. Júnior se apega ao
passado, às lembranças da mãe e do irmão, agora ausente, internado numa
clínica. Sênior, ao contrário, enfurnou
as coisas do passado num quartinho fechado e tem um apartamento que respira
atualidade, preocupações com a saúde e o bem-estar.
A casa é, por sinal, um personagem central do
filme. É pelas transformações que vão
ocorrendo nela que se configuram os mundos do pai e do filho. Até as cores de iluminação mudam. Do começo para o meio e o fim do filme, a
casa se transforma passo a passo, dando lugar às lembranças, obsessões e
fantasmas que povoam a vida dessa família, pela ótica de Júnior, em contraponto
à do pai. E vão se revelando as coisas
não resolvidas da família.
A personagem Bruna (a cantora Sandy), jovem estudante
de música, é inquilina na casa e servirá de elemento catalisador das loucuras
de uma família da qual ela não faz parte. O irmão ausente, Pedro (Kiko
Bertholini), terá sua presença na vida adulta e atual de Júnior e Sênior. Mas os dois irmãos, na infância, e a mãe que
morreu, estão presentes no filme pelos registros do passado. A solução do diretor foi filmá-los em VHS e,
assim, incluí-los na história. A solução
é muito boa, porque a imagem remete ao passado recente dos videocassetes, suas
imperfeições e riscos, assim como à cor amarelada.
Misteriosas cabeças de gesso adicionam o elemento
fantástico que agrega mais suspense à trama.
A filmagem e a interpretação do protagonista-filho nos fazem lembrar do
clássico “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, de 1980, em alguns momentos, assim
como de outros filmes de terror. Mas
“Quando Eu Era Vivo” explora principalmente o horror psicológico, o das mentes
conturbadas, o dos impulsos e dos medos.
A violência é moderada e não há sangue jorrando. É tudo mais sutil, situa-se no mundo interno
dos personagens.
Um ótimo elenco dá boa sustentação à trama de horror
que se desenvolve. Marat Descartes tem
se revelado um ótimo ator, com presença marcante em bons filmes
brasileiros. Foi o protagonista de
"Trabalhar Cansa”, do mesmo diretor e de “Super Nada” de Rubens Rewald,
por exemplo. Antonio Fagundes é sempre
um grande ator em cena, seu Sênior é muito convincente. Sandy Leah canta e lida com música no filme,
o que a liga a seu universo habitual, está bem no papel de Bruna. O personagem de Gilda Nomacce se insere na
trama com uma atuação cativante. Tuna
Dwek participa de uma sequência do filme, pequena, mas muito intensa, um
momento forte da história. Não dá para
esquecer.
O diretor Marco Dutra reafirma seu talento e se
qualifica para novas incursões num gênero de terror que não se distancia do
mundo em que vivemos e onde estamos, dialoga com ele, revela seu avesso.
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