quinta-feira, 28 de março de 2013

DENTRO DA CASA


Antonio Carlos Egypto

DENTRO DA CASA (Dans la Maison).  França, 2012.  Direção: François Ozon.  Com Fabrice Luchini, Ernst Unhauer, Kristin Scott Thomas.  105 min.


“Dentro da Casa” é um filme curioso e com uma proposta arrojada.  Bem ao estilo de François Ozon, que está sempre em busca de algo novo, inusitado, para apresentar.  A história gira em torno do relacionamento de um professor de literatura francesa, Germain (Fabrice Luchini), com um de seus alunos. 

Como quase todos os professores hoje em dia, ele reclama que seus alunos não leem e não escrevem mais do que duas linhas.  Até que encontra em Claude (Ernst Unhauer) um talento literário, desabrochando aos 16 anos de idade.  Claude vai construindo sua história em capítulos, na medida em que ganha a confiança de um colega de classe e de sua família e se imiscui na vida deles.  Aí se desenrola um filme de suspense a la Hitchcock.  Com implicações éticas, decisões que geram fortes problemas e tudo o mais.  Porém, o centro da narrativa é outro.



Na verdade, “Dentro da Casa” é sobre a construção literária.  Como ela se dá, a partir da experiência de um autor, no caso o jovem aluno, observando a vida de outros.  E como se pode construir uma história com suposições, imaginação, delírios mesmo, a partir do que se vê.

Quem cria uma narrativa parte de algo visível e projeta possibilidades, desdobramentos, consequências.  Inventa a partir de algo.  Que pode ser pouca coisa, como o filme ao final ilustra.  Um diálogo que não se ouve entre duas mulheres, com gestos intensos, pode representar uma briga de irmãs por questões financeiras, uma pendenga amorosa entre amantes lésbicas e o que mais a imaginação puder criar.  Há aí a referência a “Janela Indiscreta”, grande clássico do mestre do suspense, em que o personagem imobilizado, na condição de voyeur, imagina e cria, a partir do que pode ver de sua janela, para as demais janelas das unidades do prédio em que mora.  O autor literário também interfere na trama, se insere nela, como é o caso de Claude, convivendo na família do amigo Rapha.  E o supervisor da obra literária, o professor Germain, também não consegue se colocar de fora da criação.  O mesmo acaba acontecendo com sua mulher, Jeanne (Kristin Scott Thomas), com quem Germain compartilha a escrita do jovem.

Como distinguir a criação literária da chamada realidade?  Isso pode acabar sendo difícil, principalmente quando chega a hora de encontrar o final da narrativa em capítulos.  Quando a vida e a história criada se confundem, os riscos são grandes e capazes de produzir situações que escapam ao controle. Acompanhar o filme, vendo a produção literária do garoto seguida pelo professor se construindo na forma de um folhetim aos capítulos, é o que de mais interessante tem essa história.



O que importa não é tanto o que acontece ao professor, ao aluno, ao colega e à família, nem à esposa do professor.  O que importa é como se dá a criação literária, a partir de alguém inexperiente, mas com talento e sagacidade para experimentar, correr riscos e colocar em palavras bem escritas algo que ultrapasse sua vivência concreta, que pertença ao mundo da imaginação, da criação.  E que, ao mesmo tempo, possa remeter ao que acontece com o próprio autor nas suas relações atuais, em suas experiências anteriores e em seu mundo interno.

Ozon, e o cinema francês, em algumas oportunidades, conseguem pôr em relevo a criação literária e alçá-la à condição de personagem principal de uma película.  Só quem ama e valoriza a literatura poderia fazer uma homenagem como essa.  Uma bela e inteligente homenagem.  Num filme envolvente, que tem leveza e um bom desempenho de seu elenco.

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