Antonio Carlos Egypto
XINGU, Brasil, 2011. Direção: Cao Hamburger. Com João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat, Maiarim Kaiabi. 102 min.
Tudo começou em 1943, quando o governo Getúlio Vargas e o Marechal Rondon promoviam a Marcha Para o Oeste. Os irmãos Cláudio e Leonardo Villas Bôas, em busca de aventura pelo Brasil Central desconhecido, se integraram à missão. Orlando, o irmão mais velho, chegaria em seguida,para a expedição Roncador-Xingu. Leonardo se desligaria algum tempo depois e seria o primeiro deles a falecer.
Os irmãos Villas Bôas teriam um grande papel na política indígena do país, o que tem como ponto máximo a criação do Parque Nacional do Xingu, marco na defesa dos direitos dos índios à sobrevivência de suas tribos e de suas respectivas culturas, em 1961, já no curto período de governo de Jânio Quadros.
A saga dos irmãos Villas Bôas é contada no filme “Xingu”, de Cao Hamburger, que também dirigiu “O Ano que Meus Pais Saíram de Férias”, belo filme de 2006. Em “Xingu”, a história dos Villas Bôas é apresentada por meio de seus momentos mais expressivos, já que envolvem um longo período de tempo e um grande número de eventos, idas e vindas, avanços e recuos, que seria impraticável registrar passo-a-passo. A solução é boa e, embora lacunas sejam evidentes, o processo é capturado. A opção por uma narrativa mais linear também ajuda a compreensão dessa história não muito conhecida ou já esquecida por muitos.
O narrador da história, no filme, é o idealista Cláudio Villas Bôas, vivido por João Miguel, que obtém o desempenho mais brilhante e destacado dentre os intérpretes dos três irmãos. Felipe Camargo vive o mais velho deles e aquele que melhor negocia nas tratativas políticas, que envolveram vários governos, incluindo Juscelino Kubistchek e o período do autoritarismo militar. A atuação de Felipe Camargo é mais discreta, talvez um pouco aquém da dimensão que tem Orlando na trama, mas adequada. E Caio Blat vive o corajoso e voluntarioso caçula, Leonardo, de forma convincente. Destaque também para o elenco indígena e Maiarim Kaiabi, no papel de Prepori.
As cenas que mostram a primeira aproximação com índios, que estavam até então isolados do homem branco, e o encontro e a concretização do convívio pacífico com eles, são muito bonitas e envolventes. Dizem muito.
O filme de Cao Hamburger explora as diferenças entre os irmãos, como um elemento que ajuda a explicar um processo que exigia ação solidária, equilíbrio, idealismo, convicções apaixonadas e até um tanto de insanidade. O importante é que a resultante de tudo isso acabou sendo muito positiva.
O Parque Indígena do Xingu foi a primeira reserva brasileira. Como mostra um dos diálogos do filme, abrange um território maior do que o da Bélgica. Conquistá-lo para os índios, enquadrando muitos interesses econômicos, políticos e de ordem militar, não foi tarefa nada fácil e, evidentemente, envolveu muitas concessões. O Parque completou em 2011 cinquenta anos de existência, o que é muita coisa. Vale a pena celebrá-lo com um filme que, além de nos relembrar da importância do respeito às culturas indígenas, sempre e constantemente ameaçadas pelo caráter predatório do homem branco, também destaca a natureza. Por meio de paisagens belíssimas, esplendidamente fotografadas, as locações de “Xingu” conquistam o espectador, suas imagens têm quase a mesma força que a trajetória marcante dos irmãos Villas Bôas.
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