quarta-feira, 4 de abril de 2012

XINGU

 Antonio Carlos Egypto



XINGU, Brasil, 2011.  Direção: Cao Hamburger.  Com João Miguel, Felipe Camargo, Caio Blat, Maiarim Kaiabi.  102 min.


Tudo começou em 1943, quando o governo Getúlio Vargas e o Marechal Rondon promoviam a Marcha Para o Oeste.  Os irmãos Cláudio e Leonardo Villas Bôas, em busca de aventura pelo Brasil Central desconhecido, se integraram à missão.  Orlando, o irmão mais velho, chegaria em seguida,para a expedição Roncador-Xingu.  Leonardo se desligaria algum tempo depois e seria o primeiro deles a falecer.

Os irmãos Villas Bôas teriam um grande papel na política indígena do país, o que tem como ponto máximo a criação do Parque Nacional do Xingu, marco na defesa dos direitos dos índios à sobrevivência de suas tribos e de suas respectivas culturas, em 1961, já no curto período de governo de Jânio Quadros.


A saga dos irmãos Villas Bôas é contada no filme “Xingu”, de Cao Hamburger, que também dirigiu “O Ano que Meus Pais Saíram de Férias”, belo filme de 2006.  Em “Xingu”, a história dos Villas Bôas é apresentada por meio de seus momentos mais expressivos, já que envolvem um longo período de tempo e um grande número de eventos, idas e vindas, avanços e recuos, que seria impraticável registrar passo-a-passo.  A solução é boa e, embora lacunas sejam evidentes, o processo é capturado.  A opção por uma narrativa mais linear também ajuda a compreensão dessa história não muito conhecida ou já esquecida por muitos.

O narrador da história, no filme, é o idealista Cláudio Villas Bôas, vivido por João Miguel, que obtém o desempenho mais brilhante e destacado dentre os intérpretes dos três irmãos.  Felipe Camargo vive o mais velho deles e aquele que melhor negocia nas tratativas políticas, que envolveram vários governos, incluindo Juscelino Kubistchek e o período do autoritarismo militar.  A atuação de Felipe Camargo é mais discreta, talvez um pouco aquém da dimensão que tem Orlando na trama, mas adequada.  E Caio Blat vive o corajoso e voluntarioso caçula, Leonardo, de forma convincente.  Destaque também para o elenco indígena e Maiarim Kaiabi, no papel de Prepori.

As cenas que mostram a primeira aproximação com índios, que estavam até então isolados do homem branco, e o encontro e a concretização do convívio pacífico com eles, são muito bonitas e envolventes.  Dizem muito.

O filme de Cao Hamburger explora as diferenças entre os irmãos, como um elemento que ajuda a explicar um processo que exigia ação solidária, equilíbrio, idealismo, convicções apaixonadas e até um tanto de insanidade.  O importante é que a resultante de tudo isso acabou sendo muito positiva.


O Parque Indígena do Xingu foi a primeira reserva brasileira.  Como mostra um dos diálogos do filme, abrange um território maior do que o da Bélgica.  Conquistá-lo para os índios, enquadrando muitos interesses econômicos, políticos e de ordem militar, não foi tarefa nada fácil e, evidentemente, envolveu muitas concessões.  O Parque completou em 2011 cinquenta anos de existência, o que é muita coisa.  Vale a pena celebrá-lo com um filme que, além de nos relembrar da importância do respeito às culturas indígenas, sempre e constantemente ameaçadas pelo caráter predatório do homem branco, também destaca a natureza.  Por meio de paisagens belíssimas, esplendidamente fotografadas, as locações de “Xingu” conquistam o espectador, suas imagens têm quase a mesma força que a trajetória marcante dos irmãos Villas Bôas.

“Xingu” foi exibido na sessão Panorama do Festival de Berlim 2012, recebendo um prêmio do público e elogios da imprensa internacional. Segundo a revista inglesa Screen International, “é um épico poderoso”.  É bom acrescentar que não se vale da exploração do heroísmo puro e simples, nem de uma postura maniqueísta.  É um filme que tem mais nuances do que certezas, embora seja tão inabalável quanto os Villas Bôas na defesa das culturas indígenas.

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