Antonio Carlos Egypto
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Kontinental'25 |
O cineasta da Romênia, Radu Jude, tem dois filmes na Mostra 49, ambos
lançados em 2025: “Kontinental’ 25” e “Drácula”.
KONTINENTAL’ 25 se passa em Cluj,
principal cidade da Transilvânia, belíssima, a julgar pelas imagens que dela
oferecem o diretor Jude e o responsável pela fotografia, Marius Panduru. Começa mostrando um homem em situação de rua,
perambulando pela cidade, catando coisas, pedindo esmola e caminhando por um
parque com dinossauros (a Disney de lá?).
A trama, no entanto, vai se direcionar para a personagem Orsolya,
oficial de justiça de Cluj que, ao despejar o homem sem teto do porão do prédio
onde ele se alojou, toma todas as providências legais corretas, mas acaba
abalada pela morte dele nessa ação. O
filme, então, se concentra na vida dela, a partir daí, de como ela lida com uma
culpa que sente, ninguém a acusa de nada, mas ela não consegue lidar com a
situação. Mesmo repetindo inúmeras vezes,
para diversas pessoas, o fato ocorrido, com detalhes. A vida dela se torna errática, ela cancela
uma viagem com marido e filhos, enquanto tenta se encontrar, reencontrando
casualmente um antigo aluno, buscando ajuda de um padre, depondo junto a
colegas de trabalho e autoridades. O
filme é muito crítico em relação ao patriotismo romeno, à exploração imobiliária,
à verticalização urbana, às origens húngaras da personagem, que a situam na
contramão do regime opressivo (embora democrático pelo voto) de Victor Orbán,
assim como o passado ainda recente do comunismo terrível de Nicolae Ceaucescu
(1918-1989). A culpa pode ser uma
questão individual muito complicada de se lidar, mas está indelevelmente ligada
às questões morais, religiosas, e valores que a sociedade professa no sexo, no
casamento, na família, no trabalho. Tudo
isso é parte do drama, que não dispensa o humor e a irreverência num filme
muito bem realizado em todos os sentidos: roteiro, fotografia, interpretações
do elenco, música, ritmo, excentricidades que surgem, como as piadas budistas,
entre outras curiosidades. Um filme
impecavelmente moderno. 109 min.
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Drácula |
Em DRÁCULA, Radu Jude tem outro tipo de abordagem, muito mais
caricata, provocadora e demolidora, sem qualquer pudor ou limitação. Inclusive, no exagerado tempo de duração do
filme, desnecessários 170 minutos.
Acontece que, na prática, são vários filmes em um. Um jovem cineasta se apresenta e nos
apresenta uma novela, baseada em encenações e shows baratos de vampiros, que
acabam sendo perseguidos pelos espectadores.
A novela vai sendo o tempo todo interrompida pelo tal cineasta, criando
ilimitadas possibilidades de filmes, com a utilização da Inteligência
Artificial, inspirados no mito original de Drácula, vampiros, zumbis, o retorno
de Vlad, o empanador, a primeira novela romena sobre vampiros. Ou seja, vai de Drácula de Murnau às mais
variadas apelações e banalidades, incluindo até mesmo um vampiro capitalista
explorador, inspirado em Karl Marx. Cabe
tudo nessa digressão permanente. Da mais
descarada pornografia ao uso mais absurdo de imagens de Inteligência Artificial. É uma loucura divertida, embora muitíssimo
exagerada. O que é constantemente
criticado pelo próprio personagem do cineasta, que tenta agradar o público o
tempo todo, mas nada parece bom. Ou poderia ser muito diferente. Afinal,
tudo é muito extravagante, fora do comum, distante da realidade. Mas se o público quiser realismo também cabe,
só que aí tudo perde a graça. É um filme
inteligente, inegavelmente, mas não é agradável de se ver. Pelo menos, não por tanto tempo. Uma hora a menos de filme já bastava para
passar o clima e o teor da criação cinematográfica desse talentoso diretor
romeno, tão produtivo e original, que é capaz de lançar mais de um filme num só
ano.
@mostrasp
#49mostra
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