quarta-feira, 15 de outubro de 2025

RADU JUDE NA MOSTRA 49

Antonio Carlos Egypto

 


Kontinental'25

  

O cineasta da Romênia, Radu Jude, tem dois filmes na Mostra 49, ambos lançados em 2025: “Kontinental’ 25” e “Drácula”.

 

KONTINENTAL’ 25 se passa em Cluj, principal cidade da Transilvânia, belíssima, a julgar pelas imagens que dela oferecem o diretor Jude e o responsável pela fotografia, Marius Panduru.  Começa mostrando um homem em situação de rua, perambulando pela cidade, catando coisas, pedindo esmola e caminhando por um parque com dinossauros (a Disney de lá?).  A trama, no entanto, vai se direcionar para a personagem Orsolya, oficial de justiça de Cluj que, ao despejar o homem sem teto do porão do prédio onde ele se alojou, toma todas as providências legais corretas, mas acaba abalada pela morte dele nessa ação.  O filme, então, se concentra na vida dela, a partir daí, de como ela lida com uma culpa que sente, ninguém a acusa de nada, mas ela não consegue lidar com a situação.  Mesmo repetindo inúmeras vezes, para diversas pessoas, o fato ocorrido, com detalhes.  A vida dela se torna errática, ela cancela uma viagem com marido e filhos, enquanto tenta se encontrar, reencontrando casualmente um antigo aluno, buscando ajuda de um padre, depondo junto a colegas de trabalho e autoridades.  O filme é muito crítico em relação ao patriotismo romeno, à exploração imobiliária, à verticalização urbana, às origens húngaras da personagem, que a situam na contramão do regime opressivo (embora democrático pelo voto) de Victor Orbán, assim como o passado ainda recente do comunismo terrível de Nicolae Ceaucescu (1918-1989).  A culpa pode ser uma questão individual muito complicada de se lidar, mas está indelevelmente ligada às questões morais, religiosas, e valores que a sociedade professa no sexo, no casamento, na família, no trabalho.  Tudo isso é parte do drama, que não dispensa o humor e a irreverência num filme muito bem realizado em todos os sentidos: roteiro, fotografia, interpretações do elenco, música, ritmo, excentricidades que surgem, como as piadas budistas, entre outras curiosidades.  Um filme impecavelmente moderno.  109 min.

 


Drácula

Em DRÁCULA, Radu Jude tem outro tipo de abordagem, muito mais caricata, provocadora e demolidora, sem qualquer pudor ou limitação.  Inclusive, no exagerado tempo de duração do filme, desnecessários 170 minutos.  Acontece que, na prática, são vários filmes em um.  Um jovem cineasta se apresenta e nos apresenta uma novela, baseada em encenações e shows baratos de vampiros, que acabam sendo perseguidos pelos espectadores.  A novela vai sendo o tempo todo interrompida pelo tal cineasta, criando ilimitadas possibilidades de filmes, com a utilização da Inteligência Artificial, inspirados no mito original de Drácula, vampiros, zumbis, o retorno de Vlad, o empanador, a primeira novela romena sobre vampiros.  Ou seja, vai de Drácula de Murnau às mais variadas apelações e banalidades, incluindo até mesmo um vampiro capitalista explorador, inspirado em Karl Marx.  Cabe tudo nessa digressão permanente.  Da mais descarada pornografia ao uso mais absurdo de imagens de Inteligência Artificial.  É uma loucura divertida, embora muitíssimo exagerada.  O que é constantemente criticado pelo próprio personagem do cineasta, que tenta agradar o público o tempo todo, mas nada parece bom. Ou poderia ser muito diferente. Afinal, tudo é muito extravagante, fora do comum, distante da realidade.  Mas se o público quiser realismo também cabe, só que aí tudo perde a graça.  É um filme inteligente, inegavelmente, mas não é agradável de se ver.  Pelo menos, não por tanto tempo.  Uma hora a menos de filme já bastava para passar o clima e o teor da criação cinematográfica desse talentoso diretor romeno, tão produtivo e original, que é capaz de lançar mais de um filme num só ano.

 

@mostrasp                    #49mostra



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