domingo, 19 de outubro de 2025

FILMES QUE VI NA MOSTRA 49

Antonio Carlos Egypto

 

Fiume o Morte


Um dos melhores filmes que vi na Mostra 49 até agora foi, sem dúvida, FIUME O MORTE, que representa a Croácia na disputa pelo Oscar de filme internacional.  O diretor Igor Bezinovic nasceu em Rijeka, antiga Fiume, hoje Croácia.  Essa cidade portuária do Mar Adriático Norte já foi considerada parte de diferentes países, como a antiga Iugoslávia, Eslovênia, Itália e até como Cidade-Estado independente.  Complicado de entender.  Mas, em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, a cidade foi tomada por cerca de 300 soldados liderados pelo poeta italiano Gabriele D’Annunzio, um fascista antes mesmo da ascensão de Benito Mussolini, interessado em anexá-la à Itália.  O filme começa conversando com os atuais habitantes sobre a figura de D’Annunzio e o que ele significa para a história da cidade, em que seu nome aparece com frequência.  Numa abordagem crítica, irônica e mesmo sarcástica, essa historiografia é revisitada, refazendo cenas e fotos do período abordado, criando situações curiosas, divertidas e inteligentes.  Ao perguntar a vários carecas, com aparência e idade similares à de Gabriele D’Annunzio na época, se gostariam de desempenhar o papel dele no filme, vários concordaram e todos fazem o papel, em rodízio, durante a narrativa.  A cada etapa mostrada a análise crítica aborda o absurdo e o ridículo das situações, num estilo leve, porém, sério.  O clima é perfeito, ainda que não possamos entender toda essa complexa história de Rijeka (Fiume).  Um cinema talentoso, com muito frescor e comunicação, esperta e engraçada.  112 min.

 

Também vi e gostei, na Mostra 49, do filme do Reino Unido, CÍRCULO RETO, da competição Novos Diretores, de Oscar Hudson.  Trata da relação que se estabelece entre dois soldados adversários, que dividem um espaço fronteiriço em pleno deserto, absolutamente vazio.  A situação é absurda e que sentido tem identidades nacionais, patriotismo, regras a serem cumpridas com fidelidade nesse isolamento?  O convívio forçado e o conflito inevitável acabam por borrar as diferenças e aproximar o que é aparentemente oposto.  A ponto de tudo se perder e se misturar.  O filme explora com talento essa narrativa simbólica, vale-se de dois quadros simultâneos em parte do tempo e investe num clima de non sense.  Com dois ótimos atores protagonistas: os irmãos gêmeos Luke Tittensor e Elliot Tittensor.  109 min.

 

Círculo Reto

Também vi FRANKENSTEIN, de Guillermo del Toro, produção estadunidense, com 149 minutos de duração.  Trata-se de um hiperespetáculo, extravagante, hiperbólico, sobre o tema clássico de Mary Shelley do cientista Victor Frankenstein, que cria um monstro.  Sua criatura, no filme atual, tem uma força descomunal, capaz de movimentar com as mãos um navio cheio de gente.  E mais: é absolutamente indestrutível, fadado a se recompor eternamente, resistindo a tudo, nem dinamite é capaz de destruí-lo.  Sendo assim, torna-se uma vítima da chamada vida eterna.  E se enraivece com isso.  Há sequências brilhantes, espetaculares, embaladas por uma música sempre intensa.  Muito sangue e violência.  Não fica nada a dever aos chamados filmes de super-heróis.  Del Toro transforma a criatura de Frankestein num super vilão, digamos sem culpa, sem maldade no coração.  Assustador, de arrasar quarteirões.  Não é assim que são chamados os blockbusters?  Em breve nos cinemas e na Netflix, para quem gosta do gênero.

 

Também vi SEIS DIAS NAQUELA PRIMAVERA, coprodução de Luxemburgo, Bélgica e França, dirigida por Joachim Lafosse.  Uma situação de drama familiar, envolvendo o direito dos netos a frequentar uma casa de praia do avô paterno, negada à mãe divorciada com quem eles vivem.  Essa família, ainda assim, vai ao local secretamente e levando o novo namorado dessa mãe.  Um detalhe, a família é negra e o namorado, branco.  O que supõe algum tipo de problema que, no entanto, é sugerido, mas não é explicitado.  Aliás, todo o clima do filme é soft.  Há uma tensão suave no ar e nada de mais intenso acontece.  Um bom filme, que não chega a empolgar.  92 min.

 

A Sombra de Meu Pai

Vi, ainda, na Mostra 49, A SOMBRA DE MEU PAI, de Akinola Davies Jr., da Nigéria e Reino Unido, competição Novos Diretores.  Em Lagos, na Nigéria, um pai que tem estado muito ausente tem a oportunidade de conviver com seus filhos, levando-os com ele à cidade grande, onde espera receber salários atrasados a que tem direito.  As eleições presidenciais tinham acabado de acontecer, mas os resultados esperados não tinham sido proclamados.  Com a esperança de melhoria de vida com o novo governo, eles conhecem a resposta quando ainda estão na metrópole e tentam voltar à sua vila em paz.  Só que a agitação política já se instalou.  Um filme que, com um elenco muito bom, explora bem o clima afetivo que aproxima pai e filhos, as agruras da vida que se dissolvem em pequenos bons momentos, a esperança que sempre existe e a sofrida democracia do nosso tempo.  94 min.

 

@mostrasp           #49mostra




Nenhum comentário:

Postar um comentário