Antonio Carlos Egypto
Um dos melhores filmes que vi na Mostra 49 até agora foi, sem dúvida, FIUME
O MORTE, que representa a Croácia na disputa pelo Oscar de filme
internacional. O diretor Igor Bezinovic
nasceu em Rijeka, antiga Fiume, hoje Croácia.
Essa cidade portuária do Mar Adriático Norte já foi considerada parte de
diferentes países, como a antiga Iugoslávia, Eslovênia, Itália e até como
Cidade-Estado independente. Complicado
de entender. Mas, em 1919, após a
Primeira Guerra Mundial, a cidade foi tomada por cerca de 300 soldados
liderados pelo poeta italiano Gabriele D’Annunzio, um fascista antes mesmo da
ascensão de Benito Mussolini, interessado em anexá-la à Itália. O filme começa conversando com os atuais
habitantes sobre a figura de D’Annunzio e o que ele significa para a história
da cidade, em que seu nome aparece com frequência. Numa abordagem crítica, irônica e mesmo
sarcástica, essa historiografia é revisitada, refazendo cenas e fotos do
período abordado, criando situações curiosas, divertidas e inteligentes. Ao perguntar a vários carecas, com aparência
e idade similares à de Gabriele D’Annunzio na época, se gostariam de
desempenhar o papel dele no filme, vários concordaram e todos fazem o papel, em
rodízio, durante a narrativa. A cada
etapa mostrada a análise crítica aborda o absurdo e o ridículo das situações,
num estilo leve, porém, sério. O clima é
perfeito, ainda que não possamos entender toda essa complexa história de Rijeka
(Fiume). Um cinema talentoso, com muito
frescor e comunicação, esperta e engraçada.
112 min.
Também vi e gostei, na Mostra 49, do filme do Reino Unido, CÍRCULO
RETO, da competição Novos Diretores, de Oscar Hudson. Trata da relação que se estabelece entre dois
soldados adversários, que dividem um espaço fronteiriço em pleno deserto,
absolutamente vazio. A situação é
absurda e que sentido tem identidades nacionais, patriotismo, regras a serem
cumpridas com fidelidade nesse isolamento?
O convívio forçado e o conflito inevitável acabam por borrar as
diferenças e aproximar o que é aparentemente oposto. A ponto de tudo se perder e se misturar. O filme explora com talento essa narrativa
simbólica, vale-se de dois quadros simultâneos em parte do tempo e investe num
clima de non sense. Com dois ótimos atores protagonistas: os
irmãos gêmeos Luke Tittensor e Elliot Tittensor. 109 min.
Também vi FRANKENSTEIN, de Guillermo del Toro, produção
estadunidense, com 149 minutos de duração.
Trata-se de um hiperespetáculo, extravagante, hiperbólico, sobre o tema
clássico de Mary Shelley do cientista Victor Frankenstein, que cria um
monstro. Sua criatura, no filme atual,
tem uma força descomunal, capaz de movimentar com as mãos um navio cheio de
gente. E mais: é absolutamente
indestrutível, fadado a se recompor eternamente, resistindo a tudo, nem dinamite
é capaz de destruí-lo. Sendo assim, torna-se
uma vítima da chamada vida eterna. E se
enraivece com isso. Há sequências
brilhantes, espetaculares, embaladas por uma música sempre intensa. Muito sangue e violência. Não fica nada a dever aos chamados filmes de
super-heróis. Del Toro transforma a
criatura de Frankestein num super vilão, digamos sem culpa, sem maldade no
coração. Assustador, de arrasar
quarteirões. Não é assim que são
chamados os blockbusters? Em breve nos cinemas e na Netflix, para quem
gosta do gênero.
Também vi SEIS DIAS NAQUELA PRIMAVERA, coprodução de Luxemburgo,
Bélgica e França, dirigida por Joachim Lafosse.
Uma situação de drama familiar, envolvendo o direito dos netos a
frequentar uma casa de praia do avô paterno, negada à mãe divorciada com quem
eles vivem. Essa família, ainda assim,
vai ao local secretamente e levando o novo namorado dessa mãe. Um detalhe, a família é negra e o namorado,
branco. O que supõe algum tipo de
problema que, no entanto, é sugerido, mas não é explicitado. Aliás, todo o clima do filme é soft.
Há uma tensão suave no ar e nada de mais intenso acontece. Um bom filme, que não chega a empolgar. 92 min.
Vi, ainda, na Mostra 49, A SOMBRA DE MEU PAI, de Akinola Davies
Jr., da Nigéria e Reino Unido, competição Novos Diretores. Em Lagos, na Nigéria, um pai que tem estado
muito ausente tem a oportunidade de conviver com seus filhos, levando-os com
ele à cidade grande, onde espera receber salários atrasados a que tem
direito. As eleições presidenciais
tinham acabado de acontecer, mas os resultados esperados não tinham sido
proclamados. Com a esperança de melhoria
de vida com o novo governo, eles conhecem a resposta quando ainda estão na
metrópole e tentam voltar à sua vila em paz.
Só que a agitação política já se instalou. Um filme que, com um elenco muito bom,
explora bem o clima afetivo que aproxima pai e filhos, as agruras da vida que
se dissolvem em pequenos bons momentos, a esperança que sempre existe e a
sofrida democracia do nosso tempo. 94
min.
@mostrasp #49mostra
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