Antonio Carlos Egypto
![]() |
Esmir Filho, Ney Matogrosso e Jesuita Barbosa |
HOMEM
COM H. Brasil, 2025. Direção e roteiro:
Esmir Filho. Elenco: Jesuíta Barbosa,
Bruno Montaleone, Júlio Reis, Caroline Abras, Rômulo Braga. 129 min.
Ney
Matogrosso é um dos artistas mais criativos, versáteis e ousados que a cultura
brasileira já produziu. Excelente
cantor, com um registro de voz único e surpreendente, acentuada capacidade
interpretativa, talento de ator, grande dançarino e performer. Motivos não faltam para realizar um filme homenagem a
ele, quando chega e supera os 80 anos de idade, ainda empolgando multidões nos
palcos e contando com registros de gravações fonográficas esplêndidas, que
sempre serão ouvidas.
![]() |
Esmir |
O
diretor Esmir Filho em “Homem com H” tomou como rumo da narrativa o combate
permanente de Ney contra o autoritarismo, começando pelo enfrentamento do pai,
militar e opressor homofóbico. E
passando a enfrentar também as autoridades, os poderosos de plantão, os
normatizadores de condutas. Ney trilhou
o caminho da liberdade, de quem ele era e de quem ele queria ser. Isso ao longo de sua trajetória, desde a
infância e a juventude. E continua sendo
assim.
O
filme, enquanto trabalha essas questões, como não podia deixar de ser, nos
enche de música. São 17 músicas, ao
longo dos 129 minutos de projeção.
Representativas, mas insuficientes para dar conta de uma carreira
artística tão rica e recheada de êxitos e sucessos. Os fracassos também aparecem. Em consequência
do rompimento com os Secos e Molhados, por exemplo.
Grande
trunfo de “Homem com H” é, sem dúvida, o seu protagonista. Jesuíta Barbosa compõe um Ney Matogrosso com
uma riqueza interpretativa, cheia de detalhes e sutilezas, tão bem integradas
ao personagem que a gente vê um Ney jovem na tela, como se ele estivesse mesmo
ali, rejuvenescido. Ele aprendeu a ser
Ney, nas atitudes, nos amores, na dança, no domínio do palco, explorando os
trajes luminosos e extravagantes, e até mesmo no canto. Calma lá, é claro que quem canta o tempo todo
no filme é o verdadeiro Ney Matogrosso, mas Jesuíta vai cantando junto, não é
uma simples dublagem. Uma curiosidade:
em duas músicas, pelo menos, não existem gravações. Jesuíta cantou e sua voz foi coberta por Ney,
após as filmagens. Ou seja, Ney, nesse
caso, dublou Jesuíta. Como na cena do
coral cantando Casinha Pequenina, em
que a voz dele se acomoda à das mulheres e não à dos homens, pelo seu timbre e
extensão.
![]() |
Ney |
Ney
Matogrosso participou ativamente do filme, sem estrelá–lo. No final, aparece num show realizado em 2024,
que documentalmente se incorporou à ficção.
Ele conviveu com a equipe do filme, assistiu a algumas filmagens, deu
informações, dicas, e deu plena liberdade para que contassem sua história sem
qualquer restrição. Mas quis saber os
fatos que seriam contados, apenas para garantir que aquilo que está sendo
mostrado teria mesmo acontecido. Sua
preocupação era com um bocado de mentiras que sempre falaram sobre ele e que
podem ser encontradas na Internet até hoje.
Ney garante que o que está no filme de fato existiu. A forma como foi mostrado e interpretado é
outra coisa, porém, os fatos são reais.
A questão da Aids como atestado de morte,
chamada no início de “peste gay” e a tragédia que se abateu sobre o Brasil e o
mundo, nos anos 1980 e 1990, aparece no filme, porque foi muito importante na
vida de Ney. Ele conviveu com Cazuza,
que expôs a doença publicamente e morreu logo.
Ele também viu de perto a morte de seu outro companheiro sexual, Marco
de Maria, de quem cuidou até o fim. E
sobreviveu imune a tudo isso, surpreendentemente, sem nunca entender porque foi
“poupado”.
Fiel
ao espírito libertário e subversivo do artista, o filme é bastante ousado nas
cenas de sexo, nudez, na linguagem oral, nos comportamentos em geral. Nos figurinos, nem se fale. Impossível abordar a história e a carreira de
Ney Matogrosso sem explorar seus trajes cênicos inovadores, maquiagem, roupas
estranhas e provocadoras. A fotografia é
quente, bem colorida, reflete a exuberância do trabalho de Ney, até nos
desenhos e ilustrações que ele fez desde pequeno.
A
produção como um todo é grande, para os recursos do cinema brasileiro,
principalmente considerando o diretor e roteirista paulistano Esmir Filho, que
veio do cinema independente e autoral.
Entre seus trabalhos podemos citar “Os Famosos e os Duendes da Morte”,
de 2009, “Verlust”, de 2020, e o badalado “Tapa na Pantera”, de 2006.
![]() |
Com Jesuíta |
“Homem
com H” chega às salas de cinema num momento de crescimento de público para o
cinema brasileiro, especialmente após a conquista do Oscar por “Ainda Estou
Aqui”, que chegou a alcançar 6 milhões de espectadores. E não parece ser um caso único. “O Auto da Compadecida 2” também levou
milhões de espectadores aos cinemas do Brasil.
Esse novo filme de Esmir Filho, estrelado por Jesuíta Barbosa, tem
chance de alcançar sucesso também. Tem o
apelo da arte de Ney, é comunicativo e tem ritmo ágil. Vamos ver o que acontece a partir de 1º. de
maio, quando ele estreia.