domingo, 27 de abril de 2025

HOMEM COM H

Antonio Carlos Egypto

 

Esmir Filho, Ney Matogrosso e Jesuita Barbosa

HOMEM COM H. Brasil, 2025.  Direção e roteiro: Esmir Filho.  Elenco: Jesuíta Barbosa, Bruno Montaleone, Júlio Reis, Caroline Abras, Rômulo Braga.  129 min.

 

Ney Matogrosso é um dos artistas mais criativos, versáteis e ousados que a cultura brasileira já produziu.  Excelente cantor, com um registro de voz único e surpreendente, acentuada capacidade interpretativa, talento de ator, grande dançarino e performer. Motivos não faltam para realizar um filme homenagem a ele, quando chega e supera os 80 anos de idade, ainda empolgando multidões nos palcos e contando com registros de gravações fonográficas esplêndidas, que sempre serão ouvidas.

 

Esmir

O diretor Esmir Filho em “Homem com H” tomou como rumo da narrativa o combate permanente de Ney contra o autoritarismo, começando pelo enfrentamento do pai, militar e opressor homofóbico.  E passando a enfrentar também as autoridades, os poderosos de plantão, os normatizadores de condutas.  Ney trilhou o caminho da liberdade, de quem ele era e de quem ele queria ser.  Isso ao longo de sua trajetória, desde a infância e a juventude.  E continua sendo assim.

 

O filme, enquanto trabalha essas questões, como não podia deixar de ser, nos enche de música.  São 17 músicas, ao longo dos 129 minutos de projeção.  Representativas, mas insuficientes para dar conta de uma carreira artística tão rica e recheada de êxitos e sucessos.  Os fracassos também aparecem. Em consequência do rompimento com os Secos e Molhados, por exemplo.

 

Grande trunfo de “Homem com H” é, sem dúvida, o seu protagonista.  Jesuíta Barbosa compõe um Ney Matogrosso com uma riqueza interpretativa, cheia de detalhes e sutilezas, tão bem integradas ao personagem que a gente vê um Ney jovem na tela, como se ele estivesse mesmo ali, rejuvenescido.  Ele aprendeu a ser Ney, nas atitudes, nos amores, na dança, no domínio do palco, explorando os trajes luminosos e extravagantes, e até mesmo no canto.  Calma lá, é claro que quem canta o tempo todo no filme é o verdadeiro Ney Matogrosso, mas Jesuíta vai cantando junto, não é uma simples dublagem.  Uma curiosidade: em duas músicas, pelo menos, não existem gravações.  Jesuíta cantou e sua voz foi coberta por Ney, após as filmagens.  Ou seja, Ney, nesse caso, dublou Jesuíta.  Como na cena do coral cantando Casinha Pequenina, em que a voz dele se acomoda à das mulheres e não à dos homens, pelo seu timbre e extensão.

 

Ney

Ney Matogrosso participou ativamente do filme, sem estrelá–lo.  No final, aparece num show realizado em 2024, que documentalmente se incorporou à ficção.  Ele conviveu com a equipe do filme, assistiu a algumas filmagens, deu informações, dicas, e deu plena liberdade para que contassem sua história sem qualquer restrição.  Mas quis saber os fatos que seriam contados, apenas para garantir que aquilo que está sendo mostrado teria mesmo acontecido.  Sua preocupação era com um bocado de mentiras que sempre falaram sobre ele e que podem ser encontradas na Internet até hoje.  Ney garante que o que está no filme de fato existiu.  A forma como foi mostrado e interpretado é outra coisa, porém, os fatos são reais.

 

 A questão da Aids como atestado de morte, chamada no início de “peste gay” e a tragédia que se abateu sobre o Brasil e o mundo, nos anos 1980 e 1990, aparece no filme, porque foi muito importante na vida de Ney.  Ele conviveu com Cazuza, que expôs a doença publicamente e morreu logo.  Ele também viu de perto a morte de seu outro companheiro sexual, Marco de Maria, de quem cuidou até o fim.  E sobreviveu imune a tudo isso, surpreendentemente, sem nunca entender porque foi “poupado”.

 

Fiel ao espírito libertário e subversivo do artista, o filme é bastante ousado nas cenas de sexo, nudez, na linguagem oral, nos comportamentos em geral.  Nos figurinos, nem se fale.  Impossível abordar a história e a carreira de Ney Matogrosso sem explorar seus trajes cênicos inovadores, maquiagem, roupas estranhas e provocadoras.  A fotografia é quente, bem colorida, reflete a exuberância do trabalho de Ney, até nos desenhos e ilustrações que ele fez desde pequeno.

 

A produção como um todo é grande, para os recursos do cinema brasileiro, principalmente considerando o diretor e roteirista paulistano Esmir Filho, que veio do cinema independente e autoral.  Entre seus trabalhos podemos citar “Os Famosos e os Duendes da Morte”, de 2009, “Verlust”, de 2020, e o badalado “Tapa na Pantera”, de 2006.

 

Com Jesuíta

“Homem com H” chega às salas de cinema num momento de crescimento de público para o cinema brasileiro, especialmente após a conquista do Oscar por “Ainda Estou Aqui”, que chegou a alcançar 6 milhões de espectadores.  E não parece ser um caso único.  “O Auto da Compadecida 2” também levou milhões de espectadores aos cinemas do Brasil.  Esse novo filme de Esmir Filho, estrelado por Jesuíta Barbosa, tem chance de alcançar sucesso também.  Tem o apelo da arte de Ney, é comunicativo e tem ritmo ágil.  Vamos ver o que acontece a partir de 1º. de maio, quando ele estreia.




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