segunda-feira, 7 de abril de 2025

DOCS BRASILEIROS

                      

Antonio Carlos Egypto

 

O Festival Internacional de Documentários É TUDO VERDADE (It’s All True) tem uma tradição de 30 anos de oferta de filmes selecionados pela qualidade artística, pela sintonia com o tempo e o momento histórico e social atual, além de resgatar obras clássicas e relevantes do passado.  São documentários em geral muito bem concebidos e realizados, representando também um amplo espectro de países.  É ainda uma boa oportunidade para tomar conhecimento do que de melhor tem sido produzido no Brasil.  Vou comentar, de modo rápido e conciso, alguns docs. nacionais da 30ª. edição do Festival, que está ocorrendo até 13 de abril em São Paulo e no Rio de Janeiro nos cinemas.

 


Filme de abertura do Festival em São Paulo, RITAS, de Oswaldo Santana, é um mergulho na vida e na obra de Rita Lee, conduzido por ela própria, a partir de uma profusão de entrevistas, depoimentos e performances artísticas, incluindo uma última entrevista inédita.  O que resulta daí é uma homenagem ao talento dessa roqueira provocadora, ousada, debochada, que é capaz de rir de si mesma, mas conhece sua força e seu poder.  Distingue também os seus papéis sociais, familiares e de relacionamentos diversos, da personagem Rita Lee artista, justificando o título do documentário no plural.  A trajetória, a carreira, os sucessos, os tropeços, as confusões vividas por ela ao longo da vida estão lá, com muitos vídeos de arquivo de suas apresentações, sempre muito envolventes, cheias de vigor, de espontaneidade e de boa música.  E Rita, já na velhice, mostra que a gente é o que sempre foi, mesmo que o ritmo caia e as atividades se acalmem ou cessem, em alguns campos.  O filme tem um alto astral e vai deixar felizes os fãs de Rita Lee (e quem não é?).  RITAS estará nos cinemas após o Festival, no dia 22 de maio, dia de Santa Rita, que Rita Lee resolveu adotar como seu aniversário de comemoração, em lugar do oficial, 31 de dezembro.  83 min.

 

LAN, CARICATURISTA, dirigido por Pedro Vinicius, acompanha Lanfranco Vaselli, aos 93 anos de idade, relembrando sua longa e exitosa trajetória como desenhista e cartunista consagrado.  As limitações da visão dificultavam que ele pudesse continuar desenhando a partir de uma linha única que constrói o todo, sua característica, e impediam que ele pudesse continuar fazendo suas famosas caricaturas, pela perda de visão das linhas do rosto.  Mas vivendo em uma chácara, de modo tranquilo, ao lado de sua mulher Olívia, com quem estava então casado há 59 anos, ele mexia nos seus milhares de desenhos, notícias de jornal antigas, revistas, rascunhos, publicações de todas as partes do mundo, com lucidez, espírito crítico e sentimento do dever cumprido.  Assim ele podia usufruir da memória que sua vida criativa lhe trouxe.  Se ainda estivesse vivo, faria isso aos 100 anos de idade em 2025.  Mas em 2020, Lan, o italiano que virou carioca da gema, faleceu.  O filme presta sua homenagem a Lan, dando a palavra a ele o tempo todo.  81 min.

 


MINHA TERRA ESTRANGEIRA, documentário realizado por João Moreira Salles, o Coletivo Lakapoy e Louise Botkay, acompanha Almir Suruí, líder indígena que resolveu disputar uma cadeira de deputado federal, concorrendo pelo PDT, em busca de lutar pela preservação das terras indígenas, contra o garimpo invasor e o desmatamento da Amazônia.  O doc. acompanha também sua filha Txai, ativista nesta mesma luta, que tem uma clareza de ideias sobre essa situação em Rondônia, onde vive com seu pai.  A ação se passa durante o período eleitoral, primeiro e segundo turnos das eleições de 2022.  Vivendo num Estado marcadamente bolsonarista, eles expressam uma angústia diante do apoio recebido por Bolsonaro na eleição.  A continuidade daquele governo para eles representaria um risco de sobrevivência, tanto para os povos originários da região quanto para a própria floresta.  Assim, o que os democratas de visão progressista experimentaram por aqui ficou muito mais dramático visto de Rondônia.  Filme realizado, uma parte por cineastas indígenas em coletivo e outra pelo tarimbado João Moreira Salles, também produtor.  99 min.

 


OS RUMINANTES, de Tarsila Araújo e Marcelo Cordeiro de Mello, tem um tema curioso: ele aborda um filme que não foi feito.  “A Hora dos Ruminantes”, projeto cinematográfico dos cineastas Luís Sérgio Person (1936-1976) e Jean-Claude Bernadet, cujo roteiro estava pronto.  Era visto como um dos trabalhos mais importantes de ambos.  Algo ambicionado e que, apesar dos esforços, naufragou.  Bernadet fala longamente sobre esse trabalho que não vingou e percebemos que o filme faria muito sentido também para a atualidade brasileira.  Outros realizadores ainda tentaram adaptar essa obra literária de José J. Veiga depois deles, mas eventos climáticos extremos puseram fim a essa nova tentativa.  Maldição?  Por via das dúvidas, Marina Person, filha de Luís Sérgio, também da área, foi aconselhada por Carlos Reichenbach (1945-2012) a nunca mais tentar retomar esse roteiro.  No filme, acompanhamos também a carreira de Person, e uma entrevista dele nos anos 1970.  80 min.

 

 

 

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