Antonio Carlos Egypto
O
Festival Internacional de Documentários É
TUDO VERDADE (It’s All True) tem
uma tradição de 30 anos de oferta de filmes selecionados pela qualidade
artística, pela sintonia com o tempo e o momento histórico e social atual, além
de resgatar obras clássicas e relevantes do passado. São documentários em geral muito bem concebidos
e realizados, representando também um amplo espectro de países. É ainda uma boa oportunidade para tomar
conhecimento do que de melhor tem sido produzido no Brasil. Vou comentar, de modo rápido e conciso,
alguns docs. nacionais da 30ª. edição do Festival, que está ocorrendo até 13 de
abril em São Paulo e no Rio de Janeiro nos cinemas.
Filme
de abertura do Festival em São Paulo, RITAS,
de Oswaldo Santana, é um mergulho na vida e na obra de Rita Lee, conduzido por
ela própria, a partir de uma profusão de entrevistas, depoimentos e performances artísticas, incluindo uma
última entrevista inédita. O que resulta
daí é uma homenagem ao talento dessa roqueira provocadora, ousada, debochada,
que é capaz de rir de si mesma, mas conhece sua força e seu poder. Distingue também os seus papéis sociais,
familiares e de relacionamentos diversos, da personagem Rita Lee artista,
justificando o título do documentário no plural. A trajetória, a carreira, os sucessos, os
tropeços, as confusões vividas por ela ao longo da vida estão lá, com muitos
vídeos de arquivo de suas apresentações, sempre muito envolventes, cheias de
vigor, de espontaneidade e de boa música.
E Rita, já na velhice, mostra que a gente é o que sempre foi, mesmo que
o ritmo caia e as atividades se acalmem ou cessem, em alguns campos. O filme tem um alto astral e vai deixar
felizes os fãs de Rita Lee (e quem não é?).
RITAS estará nos cinemas após
o Festival, no dia 22 de maio, dia de Santa Rita, que Rita Lee resolveu adotar
como seu aniversário de comemoração, em lugar do oficial, 31 de dezembro. 83 min.
LAN, CARICATURISTA, dirigido por Pedro Vinicius, acompanha Lanfranco
Vaselli, aos 93 anos de idade, relembrando sua longa e exitosa trajetória como
desenhista e cartunista consagrado. As
limitações da visão dificultavam que ele pudesse continuar desenhando a partir
de uma linha única que constrói o todo, sua característica, e impediam que ele
pudesse continuar fazendo suas famosas caricaturas, pela perda de visão das
linhas do rosto. Mas vivendo em uma
chácara, de modo tranquilo, ao lado de sua mulher Olívia, com quem estava então
casado há 59 anos, ele mexia nos seus milhares de desenhos, notícias de jornal
antigas, revistas, rascunhos, publicações de todas as partes do mundo, com
lucidez, espírito crítico e sentimento do dever cumprido. Assim ele podia usufruir da memória que sua
vida criativa lhe trouxe. Se ainda
estivesse vivo, faria isso aos 100 anos de idade em 2025. Mas em 2020, Lan, o italiano que virou
carioca da gema, faleceu. O filme presta
sua homenagem a Lan, dando a palavra a ele o tempo todo. 81 min.
MINHA TERRA ESTRANGEIRA,
documentário realizado por João Moreira Salles, o Coletivo Lakapoy e Louise
Botkay, acompanha Almir Suruí, líder indígena que resolveu disputar uma cadeira
de deputado federal, concorrendo pelo PDT, em busca de lutar pela preservação
das terras indígenas, contra o garimpo invasor e o desmatamento da
Amazônia. O doc. acompanha também sua
filha Txai, ativista nesta mesma luta, que tem uma clareza de ideias sobre essa
situação em Rondônia, onde vive com seu pai.
A ação se passa durante o período eleitoral, primeiro e segundo turnos
das eleições de 2022. Vivendo num Estado
marcadamente bolsonarista, eles expressam uma angústia diante do apoio recebido
por Bolsonaro na eleição. A continuidade
daquele governo para eles representaria um risco de sobrevivência, tanto para
os povos originários da região quanto para a própria floresta. Assim, o que os democratas de visão
progressista experimentaram por aqui ficou muito mais dramático visto de
Rondônia. Filme realizado, uma parte por
cineastas indígenas em coletivo e outra pelo tarimbado João Moreira Salles,
também produtor. 99 min.
OS RUMINANTES, de
Tarsila Araújo e Marcelo Cordeiro de Mello, tem um tema curioso: ele aborda um
filme que não foi feito. “A Hora dos
Ruminantes”, projeto cinematográfico dos cineastas Luís Sérgio Person
(1936-1976) e Jean-Claude Bernadet, cujo roteiro estava pronto. Era visto como um dos trabalhos mais
importantes de ambos. Algo ambicionado e
que, apesar dos esforços, naufragou.
Bernadet fala longamente sobre esse trabalho que não vingou e percebemos
que o filme faria muito sentido também para a atualidade brasileira. Outros realizadores ainda tentaram adaptar essa
obra literária de José J. Veiga depois deles, mas eventos climáticos extremos puseram
fim a essa nova tentativa.
Maldição? Por via das dúvidas,
Marina Person, filha de Luís Sérgio, também da área, foi aconselhada por Carlos
Reichenbach (1945-2012) a nunca mais tentar retomar esse roteiro. No filme, acompanhamos também a carreira de
Person, e uma entrevista dele nos anos 1970.
80 min.
Nenhum comentário:
Postar um comentário