EMILIA
PÉREZ. França, 2024. Direção: Jacques Audiard. Elenco: Karla Sofia Gascón, Selena Gomez, Zoe
Saldaña, Adriana Paz. 130 min.
“Emilia
Pérez” é um filme ousado, que causa impacto, que tem uma forma moderna de
expressão e que mescla e funde diferentes gêneros cinematográficos, com esmero
visual. Alguns o classificam como
comédia musical de suspense e ação. Tem
humor, mas não é uma comédia, a meu ver.
E um thriller que envolve crime e violência, drama e
crítica social, onde cabe um inusitado musical.
Um filme em que todo cambia todo
el tempo. Mudança é o mote da
empreitada francesa, dirigida por Jacques Audiard, cuja trama se passa no
México, com o filme falado em espanhol.
“Emilia
Pérez” me parece ser um representante da ideia de modernidade líquida, do
sociólogo polonês Zygmunt Bauman, na sociedade da pós-verdade, em que tudo se
dissolve, se liquefaz: o trabalho, a família, o amor e a própria
identidade. E com a marca do medo de não
pertencer, de não se encaixar num mundo de violência e terrorismo, que produz
angústia e muda velozmente. Todo cambia.
Os
personagens mudam, de corpo, de gênero, de identidade, de comportamentos, de valores,
de papéis familiares. Nada permanece
sólido. Consequentemente, as
instituições ruem também. Desafiador,
assustador, caótico? Não sei, cada um faça a sua aposta. Perdemos o controle, isso já faz tempo e
tudo, absolutamente tudo, está agora em questionamento. Um filme que nos traz esse retrato do nosso
tempo tem valor, ainda que também tenha problemas.
Uma
produção francesa que aborda a guerra do narcotráfico no México, sem ser
filmada lá e praticamente sem mexicanos na produção e elenco, está naturalmente
sujeita aos tradicionais estereótipos que, nós latinos, conhecemos bem.
Por
outro lado, valer-se de uma atriz trans como Karla Sofia Gascón para o papel
central de Emilia dá força e credibilidade à incrível história que ela vive.
Tudo nela se liquefaz, inclusive o modo de viver e de encarar o mundo, não só o
gênero ou a identidade. Com a personagem
de Rita, da ótima Zoe Saldaña, passa-se o mesmo, sua capacidade e talento
profissional mudam de vetor, de campo, se liquefazem. A família de Emilia, ex-mulher e filhos,
desfaz-se, embaralhando os papéis familiares.
Vira uma família líquida. E por
aí vai.
Enfim,
é um filme que dá o que falar. Tem um
maravilhoso quarteto feminino: Gascón, Saldaña, Selena Gomez e Adriana Paz, e
uma equipe de produção para lá de competente.
Do trabalho do diretor aos criadores das músicas, coreografias e danças
bem atraentes, “Emilia Pérez” é um
produto cinematográfico respeitável.
Agora,
algumas considerações extra-filme. Ele
concorre ao Oscar nas mesmas categorias em que o brasileiro “Ainda Estou Aqui”
foi indicado: melhor filme, melhor filme internacional e atriz. Só que tem ainda mais 10 indicações,
alcançando 13 no total. Um evidente exagero.
Sinal de que é o grande favorito do Oscar do ano? Ou corre o risco de flopar legal? Aí vai
muito da campanha, do trabalho de divulgação.
Da briga midiática e das redes sociais que já, ao que parece, causaram
danos a Karla Gascón por surpreendentes manifestações preconceituosas, em
passado recente. Logo ela, que representa
pela primeira vez uma transexual com chances?
As
disputas paralelas das redes sociais nada acrescentam ou significam às
qualidades ou problemas dos filmes, mesmo que interfiram nas decisões finais
dos votantes da Academia. Não farão de
“Emilia Pérez” uma obra-prima, o que ela não é, mas também não transformarão um
filme relevante e significativo em algo a ser rechaçado ou ignorado. Aliás, é muito difícil ignorar um filme como
esse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário