quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

EMILIA PÉREZ

          

 Antonio Carlos Egypto

 



EMILIA PÉREZ.  França, 2024.  Direção: Jacques Audiard.  Elenco: Karla Sofia Gascón, Selena Gomez, Zoe Saldaña, Adriana Paz.  130 min.

 

“Emilia Pérez” é um filme ousado, que causa impacto, que tem uma forma moderna de expressão e que mescla e funde diferentes gêneros cinematográficos, com esmero visual.  Alguns o classificam como comédia musical de suspense e ação.  Tem humor, mas não é uma comédia, a meu ver.  E um thriller  que envolve crime e violência, drama e crítica social, onde cabe um inusitado musical.  Um filme em que todo cambia todo el tempo.  Mudança é o mote da empreitada francesa, dirigida por Jacques Audiard, cuja trama se passa no México, com o filme falado em espanhol.

 

“Emilia Pérez” me parece ser um representante da ideia de modernidade líquida, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, na sociedade da pós-verdade, em que tudo se dissolve, se liquefaz: o trabalho, a família, o amor e a própria identidade.  E com a marca do medo de não pertencer, de não se encaixar num mundo de violência e terrorismo, que produz angústia e muda velozmente.  Todo cambia.

 

Os personagens mudam, de corpo, de gênero, de identidade, de comportamentos, de valores, de papéis familiares.  Nada permanece sólido.  Consequentemente, as instituições ruem também.  Desafiador, assustador, caótico? Não sei, cada um faça a sua aposta.  Perdemos o controle, isso já faz tempo e tudo, absolutamente tudo, está agora em questionamento.  Um filme que nos traz esse retrato do nosso tempo tem valor, ainda que também tenha problemas.


Uma produção francesa que aborda a guerra do narcotráfico no México, sem ser filmada lá e praticamente sem mexicanos na produção e elenco, está naturalmente sujeita aos tradicionais estereótipos que, nós latinos, conhecemos bem.

 


Por outro lado, valer-se de uma atriz trans como Karla Sofia Gascón para o papel central de Emilia dá força e credibilidade à incrível história que ela vive. Tudo nela se liquefaz, inclusive o modo de viver e de encarar o mundo, não só o gênero ou a identidade.  Com a personagem de Rita, da ótima Zoe Saldaña, passa-se o mesmo, sua capacidade e talento profissional mudam de vetor, de campo, se liquefazem.  A família de Emilia, ex-mulher e filhos, desfaz-se, embaralhando os papéis familiares.  Vira uma família líquida.  E por aí vai.

 

Enfim, é um filme que dá o que falar.  Tem um maravilhoso quarteto feminino: Gascón, Saldaña, Selena Gomez e Adriana Paz, e uma equipe de produção para lá de competente.  Do trabalho do diretor aos criadores das músicas, coreografias e danças bem atraentes, “Emilia Pérez” é  um produto cinematográfico respeitável.

 

Agora, algumas considerações extra-filme.  Ele concorre ao Oscar nas mesmas categorias em que o brasileiro “Ainda Estou Aqui” foi indicado: melhor filme, melhor filme internacional e atriz.  Só que tem ainda mais 10 indicações, alcançando 13 no total. Um evidente exagero.  Sinal de que é o grande favorito do Oscar do ano?  Ou corre o risco de flopar legal? Aí vai muito da campanha, do trabalho de divulgação.  Da briga midiática e das redes sociais que já, ao que parece, causaram danos a Karla Gascón por surpreendentes manifestações preconceituosas, em passado recente.  Logo ela, que representa pela primeira vez uma transexual com chances?

 

As disputas paralelas das redes sociais nada acrescentam ou significam às qualidades ou problemas dos filmes, mesmo que interfiram nas decisões finais dos votantes da Academia.  Não farão de “Emilia Pérez” uma obra-prima, o que ela não é, mas também não transformarão um filme relevante e significativo em algo a ser rechaçado ou ignorado.  Aliás, é muito difícil ignorar um filme como esse.




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