quarta-feira, 23 de outubro de 2024

FRANCESES NA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto


O cinema francês tem estado bem presente no circuito comercial, mas é sempre bom conferir o que veio da França para a Mostra.

 


Começando por GAROTA POR UM DIA (Um Jour Fille), de Jean-Claude Monod, cineasta e filósofo, da Competição Novos Diretores. O filme aborda um tema poucas vezes tratado no cinema: um caso de intersexo.  Chamamos de intersexo aquelas situações em que há, biologicamente, elementos dos dois sexos, obviamente não plenamente desenvolvidos.  É uma forma de hermafroditismo com prevalência masculina ou feminina, a critério médico.  Pois bem, o filme aborda um caso real, registrado nos anais jurídicos da França do século XVIII, em que a jovem Anne adquire nome, postura e vestimentas masculinas, tornando-se Jean-Pierre, e se casa com uma mulher.  O julgamento foi pelo casamento, considerado uma afronta às instituições.   O filme mostra como isso se deu numa época em que o padre, o médico e o juiz, com os recursos de que dispunham, limitados, decidiam pela vida da pessoa sem sequer consultá-la, o que só complica e prolonga o sofrimento, gerando injustiça.  O filme é bem realizado, numa narrativa clássica adequada a um assunto que demanda algumas explicações para ser bem entendido.  Com Marie Toscan muito bem como protagonista. 93 min.


 


AS PESSOAS DO LADO (Les Gens D’a Côté), dirigido por André Téchiné, brilhante cineasta com uma vasta obra cinematográfica, tem Isabelle Huppert como protagonista.  Ela faz Lucie, uma policial já em declínio de carreira, que vê sua vida solitária mudar quando os vizinhos da casa ao lado se aproximam e desenvolve-se uma amizade.  Um casal e uma criança muito simpáticos.  Ocorre que o homem, Yann, é nada menos do que um blackbloc, um ativista contra a polícia, com longo histórico criminal. O filme explora o conflito, mostrando que convicções políticas, concepções de mundo e afetividade ocupam lugares diferentes e que certezas sempre podem ser abaladas, de parte a parte. O filme é envolvente, inteligente, tem ritmo e uma boa história, além de um elenco muito bom.  85 min.

 



A PRISIONEIRA DE BORDEAUX (La Prisionnière de Bordeaux), dirigido por Patricia Mazuy, tem também Isabelle Huppert como protagonista.  E mais uma vez em grande atuação, compartilhada com Hafsia Herzi.  A história gira em torno de Alma e Mina, que têm os respectivos maridos na prisão, e aproximam-se a partir do encontro delas em dia de visita à cadeia. Elas pertencem a mundos muito distintos, do ponto de vista econômico.  Alma, esposa de um médico famoso, vivendo sozinha num casarão sofisticado. Mina mora num modesto conjunto habitacional, muito longe da prisão.  É a partir daí que Alma generosamente recebe Mina e seus filhos para morarem com ela, pelo menos até que seu marido seja solto.  O relacionamento que resulta dessa amizade improvável traz novos elementos para todos e consequências que resultarão complicadas, de parte a parte, com implicações policiais.  Ou quase.  A história está bem desenvolvida.  O filme conquista atenção, tem bom ritmo e, novamente, o elenco se destaca. 108 min.


 


QUE DEUS ESTEJA COM ELES (Ainsi Soient-Ils), direção Riss.  Documentário.  Riss, cartunista e diretor da revista satírica Charles Hebdo, que sofreu atentado em Paris há alguns anos, sai a campo para dialogar e tentar entender a visão das três grandes religiões monoteístas.  Para isso, vai a Jerusalém e conversa com representantes cristãos, judeus e muçulmanos para perguntar, tentar entender e questionar a respeito de assuntos como intolerância religiosa, humor, dúvidas, dogmas, crenças e seus limites e aberturas a mudanças. Faz um excelente trabalho de problematização que realmente traz muita luz a esse debate tão relevante. E ele o faz por conta própria, não em nome da revista e sem qualquer sentido revanchista.  Com tranquilidade e espírito aberto.  Um belo documentário.  90 min.

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