terça-feira, 22 de outubro de 2024

FOCO ÍNDIA NA MOSTRA 48

Antonio Carlos Egypto

 

Vi 3 filmes recentes da Índia que estão na Mostra, além da retrospectiva de Satyajit Ray.

 


TUDO QUE IMAGINAMOS COMO LUZ (All We Imagine as Light), Índia, 2024, competição Novos Diretores. 

O filme, dirigido por Payal Kapadia, tem duas etapas distintas, ao apresentar uma trama centrada na figura da enfermeira Prabha.  Na primeira, o destaque é para Mumbai, cidade grande, de oportunidades ou de ilusões, com muita agitação, problemas, desgastes, que se refletem na rotina do hospital.  Uma cidade que tem muito a oferecer, mas que se tem de suportar.  Na segunda parte, há o oposto, a ida a um pacato lugarejo litorâneo, onde se pode obter mais liberdade ou intimidade, ainda que o controle venha a ser maior, após a expressão inicial dos desejos.  Mas aqui está se falando também de fantasias, imaginação, elementos mágicos e destino.  Isso dá um sabor diferente à trama, embora também a disperse um tanto.  O filme foi o vencedor do prêmio do júri, no Festival de Cannes.  115 min.

 


SEGUNDA CHANCE (Second Chance).  Índia, 2024.  Competição Novos Diretores. Filme dirigido por Subhadra Mahajan.

O filme se passa numa casa de veraneio, no Himalaia, na verdade, na neve, em pleno frio.  A jovem Nia, que há muito não ia lá, passa um bom tempo sem que possamos saber de que se trata. Mas o assunto central acaba aparecendo e, se eu não falar dele, não tenho nada a dizer. Por isso, se não quiser saber, pare a leitura aqui e também não leia a sinopse oficial do filme.

Bem, o que se passa é uma gravidez não planejada, não desejada, e a busca por uma pílula que possa impedi-la, depois do que já aconteceu. Não fica claro se seria a opção da chamada pílula do dia seguinte ou, mais provável, de uma medicação com efeito abortivo.  O fato é que algo não deu certo.  E o filme, em magnífico preto e branco, nos leva aos sentimentos que daí surgem, colocando em cena um menino, cuja mãe morreu no parto, para interagir com ela num momento desses.  É a infância ocupando o espaço.  Por outro lado, ela está muito bem cuidada pela sabedoria de Bheni, uma mulher calejada que também tem conhecimentos ancestrais de povos originários e suas deusas das montanhas.  Há ainda a questão das diferenças de classes e castas entre os personagens principais.  Um trabalho digno de atenção.  104 min.

 


O CATADOR DE SONHOS (The Scavenger of Dreams), Índia, 2023, dirigido pelo experiente cineasta Suman Ghosh, mostra de forma ultrarrealista o que é uma sociedade desigual, separada por distâncias abissais dos pontos de vista econômico e social.  Um casal de lixeiros vive com sua filha de 6 anos numa favela de Calcutá, em situação de miséria absoluta.  E, pelo jeito, não há uma Bolsa Família para lhes assegurar as condições mínimas de uma vida digna.  Isso, apesar do trabalho remunerado do dia-a-dia, sem qualquer garantia.  Mas eles são seres humanos que não só lutam para sobreviver como têm esperanças e sonhos, como todo mundo.  Mudanças na estrutura do trabalho podem afetar o pouco que resta a essa família, já que não é possível reclamar, questionar, lutar por direitos, impunemente.  A sequência em que a catadora de lixo precisa subir a uma casa grande para fazer a coleta escancara de forma escandalosa a desigualdade existente na Índia. Não só na Índia, claro. A Índia também é aqui. O filme é muito competente em abordar essa temática de forma emocionante, envolvente, em econômicos 83 minutos de duração.

 

Mas quem quiser aproveitar o embalo do foco na Índia deste ano não pode deixar de ver ao menos 2 ou 3 filmes de um dos maiores cineastas da história do cinema: o indiano Satyajit Ray (1921-1992).  “Canção da Estrada” (1955), “O Invencível” (1956), “O Mundo de Apu” (1959), “A Grande Cidade” (1963) e “O Herói” (1966) são verdadeiras obras-primas.

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