quinta-feira, 11 de agosto de 2022

CLARA SOLA e PACIFICADO

Antonio Carlos Egypto





 CLARA SOLA (Clara Sola).  Costa Rica/Suécia, 2021.  Direção: Nathalie Álvarez Mesén.  Elenco: Wendy Chinchilla Araya, Daniel Castañeda Rincón, Ana Julia Porras Spinoza, Flor María Vargas Chaves, 106 min.

 

“Clara Sola”, filme da Costa Rica, dirigido por Nathalie Álvarez Mesén, tem como condutora da narrativa uma personagem forte e estranha.  Clara, uma mulher de cerca de 40 anos, costuma estabelecer o nome secreto das pessoas.  Vem daí o Sola, o nome secreto dela própria.  Sola, de solidão, algo que ela vive na medida em que está à parte de tudo e de todos.  Seu comportamento não tem relação com a sua idade, ela é infantilizada, ensimesmada, sem condição de interagir de forma razoável com as pessoas.  Em compensação, tem uma relação umbilical com os animais, especialmente, com uma égua branca, chamada Yuca, arisca, que ela domina com facilidade e por quem tem genuíno afeto.  O mesmo se dá com alguns insetos, que ela acolhe em suas mãos e os revive, soprando neles, concedendo-lhes o sopro da vida.

 

Clara é uma figura que remete, inevitavelmente, à doença mental, mas é explorada de forma mística, apresentando um poder miraculoso de curar as pessoas (do que quer que seja), segundo sua mãe, Fresia (Flor María Vargas Chaves), religiosa ao extremo, e que o remoto vilarejo da Costa Rica crê com fé nas orações que Clara conduz, instigada pela mãe.

 

Clara vive com a mãe e a sobrinha (Ana Julia Porras Spinoza), e é tratada por Fresia cheia de restrições, admoestações, com os limites de uma criança.  Se a relação com a mãe só a tolhe, com a sobrinha, que está prestes a completar 15 anos, ela aprende a desejar e expressar sua sexualidade.  O que Clara faz de modo atabalhoado, naturalmente.  Enfim, no filme, vivemos o que a personagem vive, sente, pensa, experimenta.  Com suas amarras e seu descontrole eventual.  Com seu despreparo para lidar com as coisas simples, do cotidiano, e com as frustrações daí decorrentes.   E que dizer dos seus poderes?

 

Uma personagem intrigante como essa é capaz de segurar um filme, até porque a atriz Wendy Chinchilla Araya é ótima.  A filmagem, delicada e cuidadosa, embalada por uma natureza atraente, faz com que o filme flua bem, com seu ritmo apropriadamente lento, mas eficaz para manejar o clima e o contexto da criatura focalizada.

 

Esse clima envereda pelo fantástico, pelo desconhecido, embora ancorado no realismo das relações, tanto pessoais, quanto sociais.  Como o ambiente religioso cercado de imagens de santos e o modo de viver  simples e pobre da comunidade, assim como a festa dos 15 anos. Reconhecemos como familiar a vida rural ali descrita, da qual emerge uma personagem estranha, como tantas outras que a literatura e o cinema latino-americano já exploraram com êxito.


 



PACIFICADO, Brasil, 2019.  Direção: Paxton Winters.  Elenco: Cássia Nascimento, Bukassa Kabengele, Débora Nascimento, José Loreto, Léa Garcia.  120 min.

 

“Pacificado” é uma história ficcional, passada inteiramente na comunidade de Morro dos Prazeres, no Rio de Janeiro, onde viveu por oito anos o diretor Paxton Winters.  O filme acaba tendo um caráter documental muito grande, porque mostra a favela em todos os detalhes, o tempo todo: suas construções, seus espaços aglomerados, becos, vielas, grande escadaria, etc., etc..

 

É lá que se desenvolverá a ficção que envolve a garota Tati (Cássia Nascimento), que aos 13 anos tenta se conectar com o pai Jaca (Bukassa Kabengele), que esteve preso por 14 anos, tendo sido o chefão do pedaço, na luta pelos pontos de venda do narcotráfico.  Todos esperam algo dele, na volta à comunidade, mas quem está no comando agora é Nelson (José Loreto), que é mais novo e tem outros métodos de domínio, mais violentos.  Jaca quer sair dessa expectativa, parar com o crime, evitando se contrapor ao novo mandatário.  O clichê tradicional do bandido que quer parar com tudo e viver tranquilo, mas não pode.  O ambiente o obriga a tomar decisões em outra direção.

 

É nesse sentido que “Pacificado” mostra a realidade social e econômica que envolve o ambiente, o que levaria “inevitavelmente” ao crime.  Isso, no momento em que acontece a Olimpíada no Rio e está em vigor a prática da polícia pacificadora, controlando os morros.  Controlando?



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