quarta-feira, 13 de abril de 2022

VITALINA VARELA

  Antonio Carlos Egypto

 

 


VITALINA VARELA.  Portugal, 2019.  Direção: Pedro Costa.  Elenco:  Vitalina Varela, Ventura, Manuel Tavares Almeida, Imídio Monteiro.  124 min.

 

Assistir ao filme “Vitalina Varela”, do diretor português Pedro Costa, é usufruir de uma estética sofisticada.  Começamos por notar a tela quadrada, que diminui o espaço do olhar.  Chama a atenção a opção por imagens escuras, que se revelam por focos de luz.  A luz mostra características definidoras do ambiente físico: aspectos da casa simples, cujo teto ameaça desabar, os objetos, as portas que se abrem ou fecham, emitindo um som que rompe o silêncio, as janelas, mas, sobretudo, as figuras humanas, em especial a de Vitalina, a protagonista.  Por sinal, Vitalina encena sua própria história, ela é a personagem real do filme e sua atriz.

 

A luz se amplia ou se restringe, para revelar cores intensas em meio a uma paisagem cinzenta de cimento e das trevas da pobreza, do desencanto e da própria morte.  A precisão dos enquadramentos é algo absolutamente notável.  Qualquer dos planos fixos do filme compõe um quadro, plasticamente muito bonito.  Poderia ser emoldurado e fixado na parede para ser admirado.  Mesmo nas passagens mais escuras, porque toda a atenção se daria na direção de um pequeno aspecto iluminado da cena.  Destaque para a utilização da profundidade de campo, com perfeita nitidez em tudo o que mostra, dos detalhes aos movimentos ao fundo da cena.

 

De admiração em admiração, o tempo vai passando lentamente.  Não há música, as falas são poucas e, na maioria das vezes, sussurradas (ainda bem que o filme é legendado), mas alguns sons irrompem com força, como a chegada do avião, um grito desesperado ou um pedaço do teto que cede.

 

Pedro Costa transforma, com esse tipo de abordagem cinematográfica, algo simples, banal, miserável, em algo sublime.  E, ao ficcionalizar uma personagem real e sua própria história na tela, ele escapa do documentário tradicional.  Segundo as próprias palavras do diretor: “Não estou a fazer um documentário de entrevistas televisivas. Estamos a tentar fazer algo um pouco mais épico”. 

 

O que Vitalina Varela viveu e está retratado no filme, elemento após elemento, em cada um desses enquadramentos maravilhosos, é uma história pessoal de dor, abandono, desesperança e desencanto com a vida e a figura amada.  Dentro de uma realidade marcada pela carência material... e afetiva.

 


Vivendo no Cabo Verde à espera do marido pedreiro, com quem construiu uma boa casa, mas ele se mudou para Lisboa em busca de trabalho, ela espera anos por uma passagem aérea para ir a Portugal, que nunca vem.  Virá quando da notícia da morte do marido, mas ela chega atrasada, em três dias, ao funeral e lá ninguém a conhece, nem os amigos que com ele conviviam.  É dessa situação que se nutre o filme, que explora sensações e sentimentos em baixa intensidade, mas com muita expressividade.  Expressividade que deu a Vitalina Varela o prêmio de melhor atriz e a Pedro Costa, o Leopardo de Ouro de melhor filme, no Festival de Locarno, Suíça.



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