terça-feira, 5 de abril de 2022

DZIGA VERTOV 2021

Antonio Carlos Egypto




Dziga Vertov (1896-1954) foi um dos mais importantes cineastas da história do cinema.  Seu "O Homem com a Câmera", de 1929, que acompanha uma cidade do amanhecer ao anoitecer, retratando o seu cotidiano e celebrando a modernidade que a cidade russa conquistava, é um grande clássico e inspiração dos documentaristas desde sempre.

Vertov é considerado o criador do cinema verdade, aquele em que a câmera, como o olho humano, registra os fatos, os acontecimentos, sem sentimentalismo, livre das influências teatrais, do palco, dos estúdios.  A realidade, em lugar das coisas encenadas.  Por meio de filmes documentais e experimentais, Vertov fazia um cinema realista, que captava o momento histórico, as tensões, a evolução humana e material, guiado pelo olhar.  E desse modo redescobria as coisas, revia e significava os fatos.  De montador de filmes e noticiários, o diretor soviético se tornou um dos mais famosos documentaristas, além de teórico do cinema.

Reencontrar um filme considerado perdido de Dziga Vertov 100 anos após a sua realização, restaurado por Nikolai Izvolov, para reexibição nos cinemas, num trabalho de dois anos de uma produtora israelense, é um presente e tanto para todos.  O filme HISTÓRIA DA GUERRA CIVIL foi lançado em 1921 e exibido no 3o. Congresso Internacional Comunista em Moscou e nunca mais reexibido antes do seu relançamento em 2021, em festivais pelo mundo e que chega agora aos cinemas do Brasil, iniciando por ser apresentado em uma sessão especial do festival É TUDO VERDADE 2022.

Assisti-lo hoje é uma experiência incrível, emocionante.  Ver imagens captadas durante a guerra civil russa, de 1918 a 1921, com cenas filmadas em pleno campo de batalha, com a movimentação de tropas, armamentos e equipamentos, os confrontos, os momentos de relaxamento e cuidados pessoais, as imagens dos líderes e heróis do governo e do exército vermelhos, inclusive com uma breve aparição de León Trotsky, os prisioneiros, os julgamentos, as vestimentas e tudo o mais, nos coloca dentro dos acontecimentos.  Somos envolvidos por eles e por aquelas imagens distantes no tempo, mas magnificamente realizadas e recuperadas.  É como entrar num novo tempo e espaço.  Não importam os detalhes, a preocupação com tentar contar a história da guerra civil em sua cronologia real, recuperar e rearranjar suas partes.  Mais do que tudo, o que fica é o mergulho real naquele mundo, naquele período, naquela região geográfica.

Como um filme mudo, centenário, em preto e branco, pode ser tão empolgante?  A trilha sonora realizada por Roger Miller e Terry Donahue por certo contribui para isso e é uma criação à parte.  Não há registros do que Vertov utilizou como acompanhamento musical de seu filme silencioso à época.  Também não importa a conotação ideológica de apoio declarado ao regime soviético que se consolidava.  Porque, para Vertov, os fatos se expressam como são, podem ser vistos pela câmera como pelo nosso olhar atento, apurado.

Num tempo em que as narrativas tentam se impor aos fatos, como temos visto muito por aqui, o trabalho de Dziga Vertov segue atual e revolucionário.  Nos ensina a ver o que se passa, a observar.  As conclusões de cada um vêm depois.  No jornalismo sério, são os fatos que nos guiam.  Podemos observá-los sob diferentes ângulos e visões e interpretá-los de diferentes maneiras, mas ainda assim eles estão lá e é preciso respeitá-los.  93 min.



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