Antonio Carlos Egypto
Da programação do festival É TUDO
VERDADE 2022 (31/03 a 10/04), quero destacar três documentários internacionais
que merecem atenção.
O primeiro deles é, na verdade, um
pedido de socorro, um brado de alerta, uma busca desesperada pela comunicação
com o mundo. Chama-se DIÁRIOS DE MIANMAR (Myanmar Diaries) e não tem um diretor identificado. Nem colaboradores ou técnicos nomeados. É assinado pelo Coletivo Cinematográfico de
Mianmar, simplesmente. A razão é óbvia,
para que seus realizadores pudessem preservar suas vidas, preservar-se de
perseguições, prisões e tudo o mais. Depois
de mais um golpe militar, em 2021, a antiga Birmânia, hoje Mianmar, vive uma
opressão violenta, que levou jovens ativistas a registrar como pudessem, na
forma de acontecimentos diários, manifestações, repressão nas ruas, destruição,
fome, que fazem um retrato assustador do país nesses tempos. Para isso, foi preciso que trabalhassem
juntos, mas cada qual com seus equipamentos e recursos (uma câmera escondida na
janela de casa era suficiente para mostrar pessoas sendo agredidas e baleadas à
altura da vista), buscando comunicar-se com o mundo pela tela do cinema, um
modo mais efetivo e emocionante do que o dos noticiários de TV. O que resultou é um trabalho muito bom. Triste, de revoltar-se, embrulhar o estômago. Necessário.
Muito necessário. 70 min.
A produção alemã, finlandesa e
canadense, OS CARAS DO ESTREITO (The Strait Guys), dirigida por Rick
Minnich, nos leva a conhecer figuras raras, pessoas que pesquisam, alimentam e
divulgam soluções para o mundo. Com
persistência e otimismo, apesar de todas as dificuldades, custos e a descrença
no projeto. Dito assim mesmo, o projeto. E que projeto é esse, que um engenheiro de
minas tcheco e um pupilo juntaram forças com visionários russos, em busca de
ousar o impossível? Ou o que assim se
apresenta? O projeto é simplesmente
ligar os Estados Unidos (Washington) por via férrea à Rússia (Moscou), numa
rota que inclui um túnel de cerca de 100 quilômetros sob o Estreito de Bering. Havendo dinheiro, questões técnicas parecem
possíveis, mas seria preciso unir o então presidente norte-americano Trump a
Putin, passando pela aquiescência dos extremos do Alasca e das comunidades
russas isoladas. Foram anos e anos de
labuta, mas afinal tratava-se de vencer não só as distâncias, como a própria
Guerra Fria, passando pela Europa e chegando à China. Tudo ainda parecia
possível para daqui a algumas décadas, mas a pá de cal se dá agora, com o
advento da guerra da Ucrânia. Há espaço
para a paz e a colaboração mútua no mundo ou isso é coisa de visionários? 100 min.
O documentário polonês O FILME DA SACADA (Film Balkonowy) fala de gente e de suas histórias. Dirigido por Pawel Lozinski, da sacada de seu
apartamento, puxando conversa com os
transeuntes que por ali circularam, com um microfone de longo alcance e uma
filmagem feita de cima, provavelmente do primeiro andar do prédio. Pawel estimula que as pessoas falem de si, da
sua identidade, da vida, do que fazem, do que querem ou do que lhes interessa
falar. E como ele se revela capaz de
ouvir de fato, o que é raro, e encontra amiúde alguns que sempre passam por
ali, o que ele colhe é um painel humano muito interessante, de uma rua de
Varsóvia. Que poderia ser de São Paulo
ou de qualquer outro lugar. São desejos,
sentimentos, humor, timidez, boa vontade, o que aparece. Além dos problemas que conhecemos todos, da
solidão, das separações, dos medos, ambiguidades, culpas, vícios, e também do
desemprego, da prisão, da morte ou separação de uma pessoa querida. Até patriotismo fajuto e crítica a imigrantes
aparecem, mas de relance. Não é o que
mais importa aqui. De forma
aparentemente natural, bem editado, o trabalho flui como aquelas conversas
rápidas que se podem ter de uma janela com a rua, ou de uma janela a outra e que vão aos poucos se
tornando familiares e podem até dar margem a confissões. Simples e humano. Profundamente humano. 100 min.
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