terça-feira, 26 de abril de 2022

A PIOR PESSOA DO MUNDO

Antonio Carlos Egypto

 



A PIOR PESSOA DO MUNDO (Verdens verste menneske).  Noruega, 2021.  Direção: Joachim Trier.  Elenco: Renate Reinsve, Anders Danielsen Lie, Herbert Nordrum, Maria Grazia Di Meo.  128 min.

 

Quem já não se sentiu a pior pessoa do mundo, por algo que fez e do qual se arrepende, por omissão, por escolhas erradas que só complicaram a vida, por descontrole em relação a si mesmo, deixando-se levar por impulsos ou por outras razões (ou emoções)?  Em outros momentos e circunstâncias talvez essa mesma pessoa tenha se sentido a melhor do mundo.  Claro, porque a vida é complexa, cheia de ambiguidades, as pessoas transitam entre os mais diversos afetos, emoções, impulsos, racionalizações, medos, ansiedades e, enfim, a angústia.  Em busca da felicidade e do amor, de alcance no mínimo duvidoso.  E passageiro.

 

O filme do diretor norueguês Joachim Trier (de “Oslo, 31 de agosto”, de 2014) trata dessas coisas todas, centrando-se na figura da personagem Julie (Renate Reinsve), uma jovem de 30 anos em busca de tudo, ou quase tudo.  De que atividade se ocupar na vida, aproveitando talentos de boa estudante, mas escolhendo algo que a realize, de que ela goste, tenha interesse em se dedicar.  Ela dispõe das condições necessárias para isso, vivendo numa família norueguesa de classe média, o que significa alto padrão lá, em Oslo.  No entanto, está difícil para ela essa escolha, que, a rigor, já passou do prazo regulamentar.

 

Ela busca também se entender como mulher, ativa e independente, no sexo, nas relações amorosas, nos contatos com os outros, aí incluídos os seus próprios familiares e os dos dois namorados que teve nessa época da vida.  Não pensa em ter filhos, não sente apelo maternal de nenhuma espécie, mas essa é uma questão que se faz presente nos relacionamentos amorosos, fatalmente. Não somente Julie, em sua circunstância de adulta jovem, se debate em torno dessas questões.  As pessoas com quem ela se relaciona, também, de um modo ou de outro, vivem em torno dessas buscas, que se alteram ao longo do tempo de vida, mas estão lá.

 

Acompanhamos ao longo do filme uma espécie de périplo da personagem, que se mostra sempre incompleta, insatisfeita, de algum modo.  Talvez não infeliz, mas em busca do que falta, querendo se livrar do que incomoda, desejando experimentar algo novo.  Outra dimensão humana para lá de compreensível.

 




Enfim, “A Pior Pessoa do Mundo” trata com muito equilíbrio da vida como ela é e de como gostaríamos que ela fosse.  Aqui não só os personagens são de carne e osso, reconhecidos em sua humanidade, como passam pelos percalços corriqueiros da existência.  Não cabem heróis, superpoderes, magia.  As coisas decorrem como decorrem na vida, mesmo. 

 

Além do que apontei até aqui, vale ressaltar que questões como o adoecer e o medo da morte estão no horizonte.  O relacionamento edípico de Julie com o pai é apontado e ressaltado, é um componente importante, mas não é a razão de ser do comportamento da jovem.  Digamos que Freud explica, mas não justifica.

 

A questão da expressão artística aparece no personagem Aksel (Anders Danielsen Lie), quadrinista de êxito, que se vê às voltas com o uso comercial do gato anarquista e agressivo que ele criou sendo domesticado e esvaziado na transposição para o cinema.  E reclama nostálgico, aos 45 anos, do consumo de cultura nos dias de hoje, sem os objetos que a significavam e que nos encantavam, antes dos tempos dos celulares e da Internet que os fizeram desaparecer de cena.

 

A narrativa do filme se divide em prólogo, doze capítulos e um epílogo, como um livro, e cada parte vai compondo a história dos 30 anos de Julie.  Em sequências marcantes, quando o amor se materializa ou o desejo se acentua, o mundo para, o tempo fica suspenso e só ela e seu amante se movimentam.  Tudo o mais fica estático, em forma de foto ou estátua.  Funciona muito bem no filme, até porque é usado moderadamente, para não cansar ou incomodar.

 

Os personagens centrais, e mesmo alguns coadjuvantes, são bem construídos e têm atores e atrizes que os sustentam em bons desempenhos, com destaque para a protagonista Renate Reinsve, que, com vigor e simpatia, ocupa a cena.  Anders Danielsen Lie, como Aksel, é ótimo e Herbert Nordrum, como Eivind, completa com competência o trio principal da história.  Um filme que consegue mesclar um drama existencial com leveza, dinamismo e humor.  O resultado final é bem cativante.

 

 

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