terça-feira, 6 de julho de 2021

MIGLIACCIO, O BRASILEIRO EM CENA

Antonio Carlos Egypto

 

 



MIGLIACCIO, O BRASILEIRO EM CENA.  Brasil, 2021. Direção: Alexandre Rocha, Marcelo Pedrozzi e João Mariano ( Tuco).  Documentário.  86 min.

 

 

O filme “Migliaccio, o Brasileiro em Cena” é uma homenagem declarada ao grande ator Flávio Migliaccio (1935-2020), que também atuou como produtor, roteirista, diretor e até como desenhista, cartunista.  Uma figura humana marcada pela humildade e dignidade, em meio a tanto talento.

 

Ele mesmo se definia como um ser humano amador, aquele que está sempre em busca de aprender, de viver melhor, de experimentar modos de ser.  Como ele procurou, ao se isolar num belo espaço de natureza, construindo coisas e vivendo uma solidão que não o incomodava.  Ao contrário, ele a buscava em meio a tanto burburinho do sucesso, do assédio dos fãs, da figura pública tão conhecida da TV.  Profissional dedicado, empenhava-se para fazer o melhor trabalho e evoluir nos diversos aspectos do seu métier,  ainda assim se sentia um amador na vida. 

 

São os pensamentos e reflexões de Flávio Migliaccio, ao completar 80 anos de idade, o foco do documentário.  Numa conversa informal, enquanto come alguma coisa, à beira da praia ou do seu sítio, ele vai discorrendo sobre a sua profissão, a sua visão da arte como ofício.  E o faz com profundidade.

 

A figura simpática e alegre que sempre cativou os telespectadores, inclusive os mirins, tem na verdade uma larga trajetória artística por trás de si.  No teatro e no cinema, ele encarnou o homem do povo, o brasileiro.  Do famoso e lutador Teatro de Arena, com gente como Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, desenvolveu um senso das questões sociais e políticas agudo.  No cinema, por exemplo, esteve em “Terra em Transe”, de Glauber Rocha, representando justamente o povo.  Enfim, um artista de esquerda, que se formou a partir de suas origens populares, vindo de uma família pobre, com 16 irmãos, em que o pai aspirava que ele viesse a se tornar barbeiro.  E que, já idoso, pediu ao filho que fizesse sua barba, com uma navalha, em pleno sucesso televisivo global.  Fiel a suas origens, alegre e divertido, Flávio encantou, vivendo personagens diversos, que ele fazia sem esforço, com muita naturalidade.

 



Aos 80 anos, com os cabelos brancos a se desprender da cabeça e mais sério, devido à abordagem do documentário, ele encanta pela pessoa que é, com seu jeito simples e ao mesmo tempo sofisticado de ser.  Alguém que pensa o mundo e a própria vida com intensidade.  O filme não trata do suicídio que ele cometeria cinco anos depois, já desencantado pelo declínio da velhice e pelo avanço da extrema direita fascista, que ele desprezava e temia.

 

No filme, ele se pergunta o que significa chegar aos 80 anos, com uma longa vida vivida, reafirmando a descrença em Deus, que já vem de longe.  Um ato de coragem e despreendimento, não é?

 

Sobre a carreira artística brilhante, não é preciso dizer muita coisa, os fragmentos do trabalho de Flávio Migliaccio, inseridos entre as suas reflexões, falam por si.   Ao que parece, no final de seus dias, ele sentia que a sua existência não tinha servido para muita coisa, ou para nada, mesmo.  Grande engano.  A obra de Migliaccio é soberba, ficará para sempre nos registros mais expressivos da cultura brasileira.

 

“Migliaccio, o Brasileiro em Cena” entra em cartaz nos cinemas em 08 de julho de 2021, mas como o filme tem coprodução da Globo News, do Canal Brasil e da Rede Globo, onde ele atuou de 1972 a 2019, chegará posteriormente à TV, também.



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