terça-feira, 22 de outubro de 2019

A VIDA INVISÍVEL_MOSTRA 43

Antonio Carlos Egypto





A VIDA INVISÍVEL.  Brasil, 2019.  Direção: Karim Aïnouz.  Com Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier, Bárbara Santos, Fernanda Montenegro.  139 min.


O sétimo longa-metragem do diretor Karim Aïnouz (de “O Céu de Suely”, 2006, “Madame Satã”, 2002, “Praia do Futuro”, 2014) é um melodrama muito bem realizado, que está indicado pelo Brasil a concorrer ao Oscar de filme internacional.  Já vem conquistando prêmios importantes nos grandes festivais de cinema no mundo, como o Grand Prix da Mostra Un Certain Regard, em Cannes, mas também em Munique e Lima. Tem recebido fortes elogios da crítica em todos os lugares e já foi vendido para exibição em mais de 30 países.  Baseia-se livremente no romance de Martha Batalha A Vida Invisível de Eurídice Gusmão, um texto que coloca as mulheres, seus sentimentos, desejos e expectativas em primeiro plano.

Realmente, “A Vida Invisível” tem foco na questão feminina, na batalha que é para as mulheres suportar a carga da sociedade patriarcal, num período em que as perspectivas de enfrentá-la no Brasil eram praticamente nulas: os anos 1950.  Torna-se, portanto, um filme de época. Questões como a virgindade e sua face complementar, a prostituição, pesam toneladas no contexto familiar e social.  A gravidez, com tudo o que ela traz de significado e consequências permanentes para as mulheres que, querendo ou não, devem demonstrar desejo de ter filhos e instinto maternal, acima de qualquer outra pretensão de realização, profissional ou não. Num tempo em que a anticoncepção estava muito limitada e antes da chegada da pílula e da consequente revolução sexual dos anos 1960, tudo era terrivelmente dramático nesse terreno.  O machismo dominava absoluto. E, como vemos no filme, de forma opressora e selvagem.




Em “A Vida Invisível”, as tintas do folhetim estão a serviço dessas questões, procurando produzir reflexão e subsidiar caminhos libertadores.  A novela não se coloca aqui como aplacadora, tranquilizadora ou apaziguadora, de uma vida de frustrações femininas.  Embora seja doído constatar que, no fim da vida, Eurídice não tenha uma carreira de pianista para celebrar, mas cartas para ler que nunca lhe foram entregues.

A trama envolve o relacionamento entre duas irmãs que se amavam e se apoiavam muito, que acabam separadas pela vida e pelo moralismo dominante no ambiente social em que os homens dão as cartas, insensíveis aos sentimentos femininos.   Embrutecidos pelo mesmo tecido social que castra sua sensibilidade.
                                                                                                            
Julia Stockler (Guida Gusmão) e Carol Duarte (Eurídice Gusmão) protagonizam as figuras femininas, que recebem o extraordinário reforço de Fernanda Montenegro, no papel de Eurídice idosa, numa participação especial tão importante, que é um dos trunfos do filme. É sempre bom lembrar que Fernanda é a representação simbólica da própria cultura brasileira, tal o papel que sempre desempenhou nela. E continua muito ativa e forte, aos 90 anos, como demonstrou na coletiva de imprensa referente ao filme, em que brilhou nos seus comentários e na própria organização da mesa de debates.  Uma figura humana admirável, a maior atriz que já vi em cena.




Gregório Duvivier, o talentoso humorista e cronista que admiramos da Porta dos Fundos, dos artigos na Folha e na atuação política, se sai muito bem no papel dramático de um machista incorrigível, tudo o que ele não quer ser.   E, de resto, o trabalho de todo o elenco está muito afinado com a proposta do filme.

Karim Aïnouz fez, desta vez, um filme que conta mais a história, o que ele costumava quebrar, evitando a convencionalidade da narrativa. Isso foi apontado pelo produtor Rodrigo Teixeira, que tem esperança de que, com isso, o público possa se ampliar.  Porque o talento já está reconhecido amplamente pela crítica, o público também tem respondido bem, mas Karim Aïnouz não costuma se dispor a fazer concessões.  Não que as tenha feito aqui.  A forma de melodrama populariza, mas está a serviço de uma discussão profunda e realizada com grande competência.

“A Vida Invisível” foi exibida pela primeira vez em São Paulo, na 43ª. Mostra Internacional de Cinema.





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