sexta-feira, 25 de outubro de 2019

O PARAÍSO DEVE SER AQUI e +_ MOSTRA 43

Antonio Carlos Egypto


Diretores importantes, grandes cineastas costumam ter filmes recentes exibidos na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  Algumas vezes ficam abaixo da expectativa que seus nomes geram no público cinéfilo. Outras, correspondem, com maior ou menor empolgação.  A gente celebra quando algum deles traz uma verdadeira obra-prima.


O PARAÍSO DEVE SER AQUI

Neste ano, até aqui, o grande destaque para mim foi o novo filme do cineasta palestino Elia Suleiman, O PARAÍSO DEVE SER AQUI.  Ele dirigiu, fez o roteiro e protagonizou um trabalho extremamente criativo, inovador, que é uma verdadeira aula de cinema.

São sequências muito bem construídas, num filme moderno, com muito humor, que surpreendem pelo inesperado, pelo bizarro, pelo extemporâneo. Do começo ao fim vigora o inusitado, aquilo que a gente estranha, de início, não chega a compreender, sentir ou perceber o que, de fato, está acontecendo.  Elia Suleiman participa de tudo, está envolvido em tudo o que se passa, mas é como se ele estivesse de fora, observando de forma privilegiada.  Esteja em Nazaré, Paris, Montreal ou Nova York, a Palestina está sempre presente, enquanto identidade.  Afinal, para aonde quer que a gente vá, leva sempre a si mesmo, não é?  O que pode ser trágico em alguns casos, cômico, em outros. E também pode-se rir das pequenas tragédias, incompreensões ou surpresas da vida.

Vamos fruindo as sequências e é inevitável se perguntar: como ele conseguiu filmar isso?  Vou dar só um exemplo, muitas cenas em Paris, com seus grandes espaços, com a cidade absolutamente vazia e um único fato se destacando.  Aparentemente, pelo menos, em plena luz do dia. Suleiman não para de nos surpreender, de nos provocar, sempre com leveza, com muita inteligência e sofisticação.  Sem se valer de nenhum recurso fácil, como seriam o sexo ou a violência.  O que ocupa a cena é sempre sutil, às vezes, um detalhe, uma inflexão inesperada, uma repetição, um absurdo.

O filme tem ritmo e encadeamento, apesar de as sequências serem independentes e filmadas em lugares diversos, por onde o personagem circula.
Participações especiais de Gabriel García Bernal, no papel dele mesmo, e de Ali Suliman.  O filme é palestino, mas a produção é internacional, envolve França, Catar, Alemanha, Canadá e Turquia.  São 97 minutos de maravilhoso cinema. De encantar, encher os olhos, usufruir do senso de humor afiado de uma fleumática figura, encarnada pelo cineasta.
                                                                             
A Mostra 43 homenageia Elia Suleiman, conferindo-lhe o prêmio Humanidade e uma pequena retrospectiva, exibindo mais 2 filmes do diretor, CRÔNICA DE UM DESAPARECIMENTO, de 1996, e INTERVENÇÃO DIVINA, de 2002.

O PARAÍSO DEVE SER AQUI (It Must Be Heaven) é um dos grandes filmes da presente Mostra.  Daqueles que a gente vai lembrar sempre.



O JOVEM AHMED

Os irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne trouxeram para a Mostra O JOVEM AHMED, tratando de um personagem adolescente, de 13 anos, muçulmano religioso fanático.  E o fazem com muito talento ao descrever e desenvolver as situações e atitudes do personagem, que acaba se envolvendo numa tentativa de assassinato em nome de Alá.  A forma como se conclui o drama ao final não chega a ser muito convincente, no entanto. Produção belga, com 84 minutos, estrelada por Idir Ben Addi, Olivier Bonnaud, Myriem Akheddiou, Victoria Bluck.

O diretor chinês Wang Xiaoshuai, de “Bicicletas de Pequim”, que venceu o Urso de Prata em Berlim, em 2000, comparece com ATÉ LOGO, MEU FILHO.  Trata-se de um melodrama com todas as tintas do gênero, problemática familiar, morte trágica de uma criança, personagens que se separam e cujos destinos se cruzam, relacionados às mudanças por que passava a China, ao longo de 30 anos.  Em especial, a política do filho único, que gerava até multa para quem não cumprisse a determinação.  Bela produção, comandada por um cineasta de peso, mas um tanto alongada.  São 185 minutos de um drama que poderia ser contado em muito menos tempo.  O elenco tem Wang Jingchun, Yong Mei, Qi Xi, Wang Yuan.


ATÉ LOGO, MEU FILHO



O ÚLTIMO AMOR DE CASANOVA, produção francesa dirigida por Benoit Jacquot, volta ao personagem Casanova para que ele próprio conte sobre a relação com a jovem prostituta que o fez ignorar todas as outras, ou quase isso, que teria sido seu último amor.  Depois disso, as conquistas tomaram o lugar do amor e da paixão.  Uma produção de época que não acrescenta muita coisa, apesar de contar com o grande ator Vincent Lindon num papel que não parece ser para ele.  No elenco, também Stacy Martin, Valeria Golino, Nathan Willcocks.  98 min.
A máxima: Para amar, talvez não seja preciso sofrer, mas para ser amado, sim.

O novo filme do diretor mexicano Arturo Ripstein traz uma trama de convívio de amor e ódio, desejo, ciúme, sexo à flor da pele, entre um casal de idosos e seus envolvimentos dentro e fora do casamento, que perpassa os anos e parece atá-los para sempre, como um tipo de simbiose.  O DIABO ENTRE AS PERNAS fala, por exemplo, de fogosidade feminina na velhice. Não fica nada a dever a Nelson Rodrigues. Sylvia Pasquel, Alejandro Suarez, Greta Cervantes, compõem o elenco de um filme também um tanto longo, que ganharia com uma edição mais enxuta do que os 145 minutos dessa produção com bela fotografia em branco e preto.




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