domingo, 19 de maio de 2019

A GRANDE DAMA DO CINEMA

Antonio Carlos Egypto





A GRANDE DAMA DO CINEMA (El Cuento de Los Compadrejas).  Argentina, 2019.  Direção e roteiro: Juan José Campanella.  Com Graciela Borges, Oscar Martinez, Luis Brandoni, Marcos Mundstock, Clara Lago, Nicolás Francella.  123 min. 


“A Grande Dama do Cinema”, o título em português para o filme argentino “El Cuento de Los Compadrejas”, enfatiza uma das características do novo trabalho de Juan José Campanella: a homenagem ao clássico, de 1950, de Billy Wilder, “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Boulevard).  Esse filme seminal de Wilder é sempre lembrado como referência ou reencenado, como é o caso do musical teatral que está em cartaz em São Paulo.

“A Grande Dama do Cinema” retoma essa história, não só trazendo-a para a Argentina atual e seus personagens: a atriz, o diretor, o roteirista, agora envelhecidos, que perderam o sucesso nos anos 1970, quando vigorava a ditadura militar no país, como acrescenta inúmeros outros elementos e situações.  O marido aparece como ator e em cadeira de rodas, como um novo personagem, o quarto da trama.  E, para abordar a questão da diferença geracional, um casal de jovens entra nas relações, trazendo os conceitos capitalistas de lucro máximo e ética mínima, ou nenhuma, ao contexto.  Ou seja, o ponto de partida é claro, o de chegada, não.

O filme de Campanella surpreende em muitos aspectos.  Faz um passeio pelos gêneros cinematográficos, de forma muito competente e segura.  Com muito ritmo, passa da comédia ao drama e ao suspense, com um roteiro muito rico e bem engendrado.  Os diálogos, que compõem um relacionamento corrosivo, sarcástico e competitivo, entre os personagens, são admiráveis, inteligentes, divertidos, tocam nas feridas, provocam e, ao mesmo tempo, esclarecem os fatos.

As artimanhas dos personagens fazem jus ao seu passado glorioso, jogos exigem planejamento, ensaios e atuações para enfrentar a situação-problema que viviam no momento.  O final “natural” versus o final concebido para virar o jogo é um dos grandes trunfos do filme.

Há muitas sequências interessantes para se apreciar.  Em uma delas, Mara fala, enquanto um filme, com seu rosto jovem, aparece projetado, os rostos e lábios se superpõem e se descolam, unindo passado e presente.  A forma como se constrói a narrativa que resulta em um assassinato e a disputa por um antídoto para um veneno é realizada com perfeição.




O cineasta Juan José Campanella já é bem conhecido e faz sucesso no Brasil há um bom tempo.  Quem não viu “O Filho da Noiva”, de 2001, “Clube da Lua”, de 2004, e o fabuloso “O Segredo dos Seus Olhos”, de 2009?  Ele é um grande talento do cinema contemporâneo de nossos  hermanos,  com quem rivalizamos tanto no futebol, mas de quem gostamos muito no cinema.

No caso deste filme, é importante destacar o incrível trabalho do elenco, brilhante, e de quem Campanella extraiu o melhor.  A grande atriz Graciela Borges vive Mara Ordóz, uma antiga diva das telas, que vive de lembranças e objetos de seu sucesso, em que se destaca um Oscar, pesado, a ponto de ser responsável por uma morte (lembremos que Campanella levou o Oscar de filme estrangeiro por “O Segredo dos Seus Olhos”).   A escadaria que notabilizou Gloria Swanson como Norma Desmond, em “Crepúsculo dos Deuses”, é coadjuvante do notável desempenho de Graciela.  Mas seus parceiros de cena alcançam também grandes performances: Luis Brandoni, como Pedro, o marido de Mara, Oscar Martinez, como Norberto, o diretor, com quem ela sempre trabalhou.  E o roteirista desta história passada de êxito, Martin, é vivido pelo grande Marcos Mundstock.  Talvez nem todo mundo saiba que Marcos é um multiartista, músico, escritor e comediante, um dos fundadores de um grupo extraordinário de música e humor, chamado  Les Luthiers, que encanta as plateias de língua espanhola, por toda a América e Espanha, há 40 anos.  Infelizmente, é pouco conhecido no Brasil.  Mas o humor sarcástico de Marcos Mundstock, muito característico no Les Luthiers, está magnificamente bem aproveitado em “A Grande Dama do Cinema”.  O casal de jovens atores, Clara Lago, como Bárbara, e Nicolás Francella, como Fernando, não se intimida diante dos veteranos talentos com quem contracenam, dão conta do recado muito bem.





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