RAIVA.
Portugal, 2017. Direção: Sérgio
Tréfaut. Com Hugo Bentes, Isabel Ruth,
Leonor Silveira, Diogo Dória, Sergi López, Kaio César. 84 min.
“Raiva” é um filme português de grande rigor
estético, seco como a vida camponesa que retrata, no baixo Alentejo, sul de
Portugal, anos 1950. A ditadura de
Salazar mortificava o país, naqueles tempos em que aos pobres faltava tudo: casa,
comida, trabalho, estudo, dinheiro. A
mobilidade social era inexistente, como se explicita no filme, quem nascia
pobre morria pobre e quem nascia rico morria rico.
“Raiva” é um conto sobre abuso e revolta,
baseado no romance “Seara do Vento”, de Manuel da Fonseca, um clássico da
literatura portuguesa do século XX.
Dialoga com “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos.
Em que pesem as referências geográficas,
políticas e sociais, a direção de Sérgio Tréfaut busca algo quase atemporal,
mitológico. Extirpa a narrativa de
explicações sociológicas e de componentes ideológicos, para expor uma história
em que há mortos, mas não heróis ou bandidos, não há música manipuladora de
emoções, não se busca o naturalismo, nem o espelho da TV. A fotografia em preto e branco, bela mas
despojada, se destaca em um filme que valoriza o silêncio, reduz as falas,
mostra a vida, os sentimentos de forma crua.
Há os camponeses, a luta pelo trabalho e pela dignidade e uma reflexão
sobre as origens de uma forte revolta. É
como o filme começa. Mostra dois
violentos assassinatos em clima de bang-bang. Como se chegou a isso é a trama de “Raiva”,
em flashback.
A produção envolveu Brasil e França, além de
Portugal. O diretor Sérgio Tréfaut é
luso-brasileiro, vivendo em Portugal, nascido em São Paulo. Seu trabalho organicamente disciplinado e austero
tem a força de um retrato que atravessa os tempos e os continentes. De algum modo, está em toda parte, em todas
as épocas, como que a revelar o desconsolo da humanidade que se nutre das
desigualdades e do autoritarismo para oprimir, buscar calar, produzir
conformidade.
Um excelente elenco sustenta uma narrativa de
desempenhos marcantes, mais interiorizados do que exibidos. A explosão, que surpreende, diante da
contenção que a forjou. Hugo Bentes,
como Palma, o protagonista, e grandes atores e atrizes, como Leonor Silveira,
Diogo Dória e Isabel Ruth, sustentam um trabalho artístico de valor. Não visa ao sucesso de bilheteria, não faz
concessões ao gosto médio. Um filme até
fora de moda, como o define o próprio cineasta, mas que merece toda a atenção
dos cinéfilos.
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