Antonio Carlos
Egypto
O CONFEITEIRO (Der Kuchenmacher).
Israel/Alemanha, 2018. Direção:
Ofir Raul Graizer. Com Tim Kalkhof,
Sarah Adler, Roy Miller, Zohar Strauss.
107 min.
O filme indicado por Israel para concorrer ao
Oscar de produção estrangeira não entrou na lista de classificados. Talvez porque os concorrentes fossem muito
fortes, já que “O Confeiteiro” é um belo trabalho cinematográfico.
A trama envolve um triângulo amoroso: Oren (Roy Miller), um executivo judeu de
Israel, que vai a Berlim mensalmente a trabalho. Anat (Sarah Adler), sua mulher, vivendo em
Israel e, de uma família religiosa, cuida de um café que preza por seu
certificado kosher. E Thomas (Tim
Kalkhof), o confeiteiro alemão, com quem Oren se envolve amorosamente.
O tratamento dado a esse triângulo pelo
diretor e roteirista Ofir Raul Graizer é o que faz a diferença. O filme aborda diversas questões, sempre com
muita sutileza, utilizando-se da ironia e tratando de negações, perdas e
descobertas.
Um dos grandes focos de “O Confeiteiro” é,
naturalmente, a comida, kosher ou não, particularmente os doces. É por
meio deles que Oren conhece Thomas, passa a frequentar regularmente sua
padaria, quando vai a Berlim e traz deliciosos biscoitos de canela que Anat
adora.
É a habilidade de confeiteiro de Thomas que o
aproximará muito de Anat no café dela, em Israel, na ausência de Oren. O convívio de ambos será terno e
colaborativo, mas a história por trás disso é irônica, já que há coisas
escondidas, não ditas, e há manipulação na situação. No entanto, tudo vai se construindo num tom
leve, embora a gente perceba que algo inevitavelmente terá de acontecer.
O sucesso da comida que não é kosher ,
que está na base da situação, cria algum conflito, especialmente por parte do
irmão de Anat, Moti (Zohar Strauss), que é religioso convicto. É essa comida questionada, porém, o que
conquista tanto Oren quanto Anat e o público judaico do café.
A origem alemã não judaica de Thomas, com os
elementos históricos complicados conhecidos, seria outro empecilho, tanto ao
trabalho quanto à relação amorosa. Mas
também aí os princípios não vingam.
Aliás, princípios têm sempre de passar pelo crivo da realidade concreta
da vida, do contrário se tornam fundamentalismos tolos e opressores.
Outra sutileza do filme é o compartilhamento
da perda, não explicitado, entre Thomas e Anat.
E é porque esse compartilhamento existe que importantes descobertas
podem acontecer. Mesmo o rompimento que
se anunciava na trama surpreende por se dar de forma abrupta e até agressiva,
mas pela intervenção externa, já que o que foi construído, na verdade, não
desmoronou. A sutileza marcada pelos
vínculos que se criaram vai literalmente até a última sequência de “O
Confeiteiro”.
Numa época em que o cinemão prima pela ação
desmedida, pelo excesso e pelo explícito, ver um filme que tem como marca a
sutileza é altamente recompensador. É
possível acompanhar a narrativa ponto a ponto, detalhe a detalhe, intuir o que
vem, identificar-se com ações, motivações e circunstâncias dos personagens,
tentar entender devagar, sem precisar emitir julgamentos.
O que “O Confeiteiro” nos mostra é que a vida,
as relações pessoais e seus determinantes culturais, étnicos, históricos ou
religiosos, são coisas complexas que interferem de modo intenso, mas também
sutil, em tudo. É por isso que o tal
triângulo amoroso, tão conhecido e manjado, assume aqui uma dimensão mais
profunda. O filme está distante do
folhetim, do melodrama, tal como costumam ser concebidos.
Claro que o desempenho dos atores
protagonistas precisava se expressar da forma mais sutil e delicada possível, e
isso foi conseguido. São interpretações
suaves, contidas, mesmo nos momentos mais sofridos.
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