segunda-feira, 29 de outubro de 2018

LATINO-AMERICANOS NA 42ª. MOSTRA


Antonio Carlos Egypto

Alguns filmes latino-americanos se destacaram na 42ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, como costuma acontecer em todas as edições.  Nessa, o que mais chamou a atenção foram os muitos filmes argentinos exibidos.  Vi vários deles, mas também filmes do Uruguai, México e Guatemala.

TRAGAM A MACONHA, do Uruguai, é dirigido por um trio: Denny Brechner, Alfonso Guerrero e Marcos Hecht.  É uma comédia de ficção, baseada no fato de que a venda da maconha foi legalizada no país.  Sendo legalizada, é preciso suprir a demanda, mas como conseguir 50 toneladas em pouco tempo, se o país não tem produção da erva?  A solução é sair pelo mundo divulgando o assunto e tratando de obter vendedor, além de conseguir transportar o produto ao Uruguai.  Para isso, cria-se, só na Internet, a Câmara Uruguaia da Maconha Legalizada.  E todo mundo acredita que exista essa instituição.  O ex-presidente Pepe Mujica participa do filme e apoia o seu humor, com simplicidade, como é o seu estilo de ser.  Bem divertido.

TRAGAM A MACONHA


Outro uruguaio, EL CREADOR DE UNIVERSOS, é um documentário de Mercedes Dominioni sobre seu filho, o jovem Juan, de 15 anos, com características autistas, que faz filmes domésticos com Rosa, sua avó de 96 anos.  É a sua forma de criar, viver e compartilhar suas dificuldades e sua solidão com ela, já bem idosa e com doenças e limitações.  Uma produção modesta, mas interessante.

JOSÉ, da Guatemala, segundo longa do chinês Li Cheng, entra em cheio na questão social: a pobreza, a exclusão, o papel da religião e do trabalho precário, numa vida de muita carência e falta de segurança.  O caminho da prostituição masculina, aliado ao subemprego do jovem José, de 19 anos, se mistura ao desejo homossexual, em meio à relação com a mãe e os valores religiosos que ela e toda a sociedade local valorizam.  Uma realidade que para nós é, também, bem conhecida.  O diretor nasceu na China, estudou nos Estados Unidos e morou dois anos na Guatemala. Mostrou sensibilidade para retratar a dura situação que viu por lá, por meio de uma ficção bem construída.

Entre os filmes argentinos, LA QUIETUD, do experiente cineasta Pablo Trapero, mostra muita força.  Conflitos familiares, sexualidade intensamente experimentada, traumas emocionais, negócios escusos, decisões pesadas, fazem lembrar o universo de Nelson Rodrigues.  Mas sem histrionismo. O estilo de Trapero é elegante, até discreto.  E coloca a sanguinária ditadura militar que a Argentina viveu de 1976 a 1983 como elemento fundamental da trama, que tem roteiro do próprio diretor.


LA QUIETUD


O ANJO, direção e roteiro de Luís Ortega, indicado pela Argentina para concorrer ao Oscar de filme estrangeiro, é uma ficção baseada em fatos reais.  Mostra que crimes bárbaros podem ser praticados não só por psicopatas estranhos, mas por gente jovem, bonita e capaz de expressões emocionais.  É o caso do adolescente Carlitos, o anjo loiro da morte, que revelou grande talento para cometer crimes.  O filme não vai muito além disso, não me parece à altura dos fortes concorrentes usuais do país ao Oscar.

VIAJE A LOS PUEBLOS FUMIGADOS, documentário do grande diretor argentino Fernando Solanas, denuncia com muita competência as consequências sociais e ambientais do chamado agronegócio, com sua produção de transgênicos à base de agrotóxicos.  As comunidades atingidas pela prática das fumigações sofrem com contaminações e doenças muito graves.  Porém, o que resulta disso atinge a todos nós, que nos alimentamos de venenos, quando cremos estar consumindo uma comida saudável.  Alternativas existem e precisam ser melhor conhecidas, mais difundidas, mais praticadas.

JULIA E A RAPOSA, segundo longa de Inés María Barrionuevo, focaliza uma ex-atriz que retorna à sua pequena cidade, na província de Córdoba, na Argentina.  A partir da retomada de uma casa grande, ela se reencontra com seu passado e com o que marca a vida da comunidade, seus problemas e idiossincrasias.  Bom trabalho.

MOCHILA DE CHUMBO, segundo longa do argentino Darío Mascambroni, põe em evidência um garoto de 12 anos, Tomás, que, sem a presença efetiva dos adultos da família, vive na rua com sua mochila, que contém uma arma carregada.  E se propõe a desvendar o que aconteceu com seu pai.  As ações e os riscos de se crescer ao desamparo e sem apoio educacional são o aspecto principal do filme a ser considerado.

Ainda vou ver VERMELHO SOL, um outro filme argentino, que vem muito bem recomendado. O mexicano ROMA, um dos melhores da Mostra, comentarei na próxima postagem.

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