Com a 42ª. Mostra Internacional de Cinema de
São Paulo chegando ao fim, é hora de destacar mais alguns grandes filmes que
ela apresentou. O que inclui ROMA, o filme de encerramento
hoje. O Cinesesc faz a repescagem da
Mostra, em mais uma semana, a partir de amanhã.
ROMA |
ROMA,
filme mexicano de Alfonso Cuarón, com uma bela fotografia em preto e branco, é
focado nas mulheres. Coloca-nos dentro
do espaço doméstico de uma família de classe média-alta do México, anos
1970. A empregada doméstica Cleo
(Yalitza Aparicio) e sua colega Adela (Nancy García), de ascendência indígena,
trabalham, sem conflitos aparentes, para Sofia (Marina de Tavira), a dona da
casa, com quatro filhos, cujo marido está sempre ausente.
Cleo cuida dos filhos de Sofia como se fossem
seus. E o filme mostra uma rotina em que
fica claro o trabalho extenuante, semiescravo, das serviçais, mas também um
convívio pacífico e mesmo acolhedor da patroa.
Sem tempo de ter vida própria, Cleo parece realizar-se por meio da vida
da família que a emprega.
O incômodo inicial fica por conta de um carro
grande, o velho Galaxy, que vive arranhado, porque não cabe direito na garagem
da casa. Algo ali não se sustenta. Os dramas que se desenvolverão a partir daí
na vida das duas mulheres protagonistas, Cleo e Sofia, provocarão um turbilhão
de eventos, que se entrelaçam com as lutas políticas do período, entre milícias
e manifestantes estudantis, que acabarão por exercer papel decisivo no
desenrolar da trama. Mas os homens que
se relacionam com as protagonistas são os grandes responsáveis pela dor e
sofrimento que elas têm de viver. A
condição de mulher aproxima ambas.
Aquilo que as diferenças de classe separam a condição feminina agrega.
Sequências muito bem construídas, ao longo de
todo o filme, encantam. Tanto quando
nada parece estar acontecendo, como quando tudo se desencadeia com grande
intensidade. ROMA,
vencedor do Leão de Ouro em Veneza, pela qualidade merece ser visto na tela do
cinema, mas é uma produção da Netflix, que deverá estar nas telas de TV em
dezembro. É possível que haja um
lançamento cinematográfico antes disso.
Se houver, recomendo uma ida ao cinema.
135 min.
UMA
MULHER EM GUERRA, o indicado da Islândia para concorrer ao
Oscar de filme estrangeiro, de Benedikt Erlingsson, é outro trabalho que
projeta e destaca a mulher, sua coragem e sua força transformadora. Aqui, a protagonista é Halla (Halidóra
Geirharösdóttir), uma ativista do meio ambiente, que encara de modo pessoal uma
guerra contra a indústria local de alumínio, por meio de sabotagens cada vez
mais ousadas e perigosas. Ao mesmo
tempo, ela e sua irmã gêmea, professora de yoga, aguardam por pedidos de adoção
de crianças. Ou seja, tanto no terreno
da atuação política, quanto no da afetividade materna, Halla encara os desafios
da existência de frente e com coragem.
O registro do filme, porém, não apresenta essa
personagem dentro de um contexto de realismo e verossimilhança. Faz uma fábula cheia de coincidências,
surpresas, impossibilidades. Isso faz
com que a aventura de Halla fique mais atraente e divertida.
Inova, também, na música, toda feita ao vivo,
com instrumentistas, cantores e figuras femininas em trajes típicos, que estão
ao lado da ação e até interagem em cena.
A música não é colocada no filme, entra diretamente nele. É uma bela inovação, num filme criativo,
inteligente e muito bem resolvido, que apoia decididamente as mulheres e a luta
pelo meio ambiente, sem precisar fazer proselitismo nenhum, explorando uma
dimensão fantástica para o tema. 100
min.
A ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS |
A
ÁRVORE DOS FRUTOS SELVAGENS é o novo trabalho do diretor
turco Nuri Bilge Ceylan, que prima por imagens de grande elaboração e beleza
nos seus filmes. Enriquece o seu apuro
visual com locações na Anatólia, a região turca de sua origem, que tem
paisagens exuberantes. É, portanto, com
grande prazer que vemos a natureza magnificamente enquadrada, as expressões
humanas se revelando, em meio a um ambiente amplo, mostrado por planos gerais e
panorâmicas, mas também por detalhes significativos do contexto cultural
abordado.
Não fica por aí. Ceylan discute o mundo contemporâneo e a
conquista da identidade, a partir do personagem Sinan, um jovem que deixou sua
aldeia para estudar em Istambul e encontrar sua paixão por literatura e o
desejo de se realizar como escritor. Mas
o que significa literatura, a quem ela interessa, que papel exerce hoje num
mercado tão distante de suas pretensões?
E como ele se vê, no contexto rural de sua origem? Sua ex-namorada, seu pai endividado, os
limites da vida na aldeia, que papel tem tudo isso nessa jornada em busca de
autoconhecimento e de realização pessoal?
Como o islamismo é visto e compreendido pelos
jovens? Que polêmicas envolvem a aceitação
e a interpretação do Corão no contexto atual?
Muitas reflexões filosóficas e debates sobre a contemporaneidade, a vida
e os projetos dos jovens, e também dos adultos, fazem parte dos diálogos do
filme. Como se vê, é um produto
artístico muito encorpado e consistente, em todos os seus aspectos. Nuri Bilge Ceylan é, mesmo, um dos maiores
cineastas do cinema atual. Faz filmes de
longa duração, como este, que tem 188 minutos, mas que envolve e encanta
durante todo esse tempo, mesmo visto na maratona que é a Mostra.
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