Antonio Carlos
Egypto
PRIMAVERA EM CASABLANCA (Razzia). Marrocos/França,
2017. Direção: Nabil Ayouch.
Com Mariam Touzani, Arieh Worthalter, Abdelialah Rachid, Dounia
Binebine, Younes Bouab. 119 min.
Casablanca, Marrocos, uma cidade de
contrastes, oposição, diversidade. E
também de opressão e violência. Além
disso, uma cidade de fantasia. Afinal, é
o título de um dos maiores clássicos do cinema, aquele que reuniu Humphrey
Bogart e Ingrid Bergman, ao som de “As Time Goes By”.
Nabil Ayouch, o diretor e também roteirista,
ao lado de Mariam Touzani, de “Primavera em Casablanca”, vive lá, sente de
dentro o que acontece na cidade. Tem um
olhar especial para os que são criticados, enquadrados, oprimidos, excluídos. E para a imposição de
valores, em nome da tradição ou da religião. Por meio de diversos personagens,
o filme fala desse conflito, ora, explicitado, ora, surdo, que compõe um caldo
de cultura que não tem outro caminho que não seja desandar em violência.
Um professor de província, dedicadíssimo às
suas crianças e por elas amado em seu vilarejo, onde o que se fala é o idioma
berbere, recebe um ultimato e a presença de um inspetor, porque a nova lei
educacional obriga que o ensino no país seja só em árabe. Ocorre que as crianças não entendem outra
língua e só poderão decorar coisas sem significado, sem saber o que estão
repetindo. A frustração leva o mestre a
escolher se perder no anonimato de Casablanca.
No ambiente urbano, há uma personagem feminina
que se produz, se veste com sensualidade, explora sua beleza e tenta construir
sua identidade, dispensando os modelos que lhe são impostos, e sofre com isso.
Quem busca se expressar pela modernidade, se
identifica com o rock que contesta,
em vez da música tradicional, que tem papel conservador, encontra
resistência. Viver de música, mesmo bem
remunerado, é inaceitável na ótica dos pais.
Não há espaço para a homossexualidade e as formas diversas de viver a
masculinidade. Mas elas estão lá. Para a mulher, a questão da virgindade até o
casamento e a condenação do aborto se escoram na noção de pecado, produzindo
sofrimento e desespero. Falta emprego para
a juventude e os ares da liberdade buscam expressão.
2011, a primavera árabe movimenta a região,
aparentemente trazendo novos ares e possibilidades. Revoluções, queda de regimes, a imperiosa
necessidade de encontrar novos caminhos e também a produção de respostas
individuais, revoluções pessoais. A
tradição autoritária e o controle em nome de valores religiosos sufocam essas
revoluções e as saídas políticas revelam-se outra face da mesma moeda.
O protesto e a violência tomam conta das ruas
e as festas acabam em pancadaria e agressões desmedidas. “Primavera em Casablanca” mostra o que está
acontecendo, com preocupação.
Preocupação que também deveria ser a de uma direita brasileira, que
insiste em pregar liberalismo na economia e conservadorismo nos costumes. Uma fórmula para oprimir, abalar direitos e
produzir mais violência, onde já há tanta desigualdade e tanta divisão.
Bem, e como fica a Casablanca da fantasia, do
cinema de Hollywood, de Bogart e Bergman?
Serve para alienar, folclorizar, distorcer a realidade. Fake
news , para usar um termo da moda.
Acho que todo mundo sabe que em “Casablanca”, de Michael Curtiz, (1942),
não há nenhuma cena filmada na cidade, ou no Marrocos. O “Rick’s Bar” nunca existiu por lá. Não antes de aquele filme ser feito, pelo
menos.
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