Antonio Carlos
Egypto
THE SQUARE,
da Suécia, vencedor do Palma de Ouro no Festival de Cannes, é dirigido por
Ruben Östlund, de “A Força Maior”, 2014.
É, mais uma vez, um ótimo trabalho. O filme focaliza um personagem,
curador de museu de arte contemporânea, que
está cercado de ícones da modernidade e com eles convive. Discute e brinca com essa arte de instalações
para lá de questionáveis e seus significados fluidos. Mas também esbarra na crise a toda hora,
abordado por mendigos, ladrões, e se complica ao aceitar um vídeo promocional,
que explodia uma menina de rua loira, sueca por excelência.
A questão principal, que é o foco do filme, diz
respeito à alteridade. Em defesa de
interesses e bens pessoais, tomam-se medidas sem avaliar as consequências que
podem trazer a outros. Não só isso, mexe
com resistências e as dificuldades de reparar danos em situações pouco
conhecidas ou até então inexploradas.
Essa postura não aparece só na história individual do protagonista, ela
fica evidente na sociedade, fechada, insensível, com medo de encarar o
sofrimento e os pedidos de socorro alheios.
Em The Square,
Östlund diversifica e amplia o foco da questão ética e das fraquezas humanas,
alcançando a dimensão social do fenômeno. Dispersa a narrativa, mas alcança um
nível maior de profundidade. Além disso,
nos brinda com lindas sequências, como a do protagonista imerso e se movendo
numa montanha de sacos de lixo, visto do alto.
O ator Claes Bang e um elenco que rende bem dão vida a uma trama
absolutamente moderna, bem humorada, que respira contemporaneidade e tem grande
consistência.
24 FRAMES |
24 FRAMES,
de Abbas Kiarostami, Irã/França. Uma
câmara parada registra o que se passa, por uma janela, atrás de um vidro, dentro
de um carro ou no espaço aberto. São, em
geral, lugares em que a natureza e os animais dão as cartas. Parece que nada
vai acontecer, mas algo, por menor que seja, acontece. A neve, a chuva, o
vento, o voo dos pássaros, ou eles bicando sua comida, cavalos em movimento,
uma manada de vacas, alces, um passarinho que canta sem parar, posado numa
pilha de madeira cortada, água, mar. Gente passando em frente a uma foto de
pessoas, mirando a torre Eifel, é uma exceção.
E um quadro em que elementos dele ganham vida. Tudo é belo, bem enquadrado e sonorizado. Surge uma boa música, depois volta-se aos
ruídos próprios dos animais, da água ou do vento. O filme exige de nós algo que cada vez temos
mais dificuldade de fazer: contemplar. Num mundo agitado em que queremos fazer
várias coisas ao mesmo tempo, para dar conta de tudo, ganhar tempo, em que
estamos sempre conectados, fica impossível parar para ver, observar, sentir, deixar
fluir a percepção. Um filme
contemplativo como esse, hoje, é uma proposta revolucionária. Infelizmente, Kiarostami já se foi, mas sua
obra continua nos provocando e encantando.
O GOLFO,
de Emre Yeksan, da Turquia, se concentra na figura de um jovem que parece
distante de tudo e de si mesmo. Lacônico
e pouco reativo, faz lembrar a frase musical de Zeca Pagodinho: “Deixa a vida
me levar, vida leva eu”. Mas há um
misterioso acidente ou ato terrorista, que ocorre no mar. O cheiro se torna insuportável na cidade de
Izmir, que tem casas de veraneio e recebe turistas. As pessoas fogem de lá, os
sem-teto ocupam casas e praças. Mas tudo parece estar fora da ordem. Uma alegoria dos problemas atuais do
país? Um trabalho que merece ser
conferido.
UM JUDEU DEVE
MORRER, de Jacob Berger, que faz parte do “foco Suíça”, é um filme que
conta de forma tradicional uma história absurda. Na pequena cidade suíça de Payenne,
simpatizantes nazistas decidem matar um judeu como exemplo, procurando chamar a
atenção de Adolf Hitler. Isso em 1942,
num país supostamente neutro. O alvo é
ninguém menos do que o personagem vivido pelo grande ator suíço, Bruno Ganz,
que já viveu o próprio Hitler no cinema.
Boa produção, em econômicos 73 minutos, que dá conta do recado.
ZAMA |
ZAMA , de Lucrécia Martel, da Argentina, é
daqueles filmes que os cinéfilos não vão querer perder. A diretora filma muito bem e faz trabalhos
sérios e pesados. Aqui o drama é
histórico, remete à Coroa espanhola na América e a um oficial que espera ser
removido dessas plagas por uma carta do rei, que nunca chega. Esse é o ponto de partida para se abordar o
descompromisso do colonizador com o país que domina ou, talvez, o de qualquer
dirigente com seu próprio povo. Também
se discute o mito e o que o sustenta. O
contexto histórico e geográfico podia ser melhor caracterizado, é um pouco
confuso acompanhar a narrativa, sem conhecer o livro que lhe deu origem. Mas
não faltam boas sequências, uma bela fotografia e o bom desempenho dos atores.
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