Antonio Carlos
Egypto
PONTO ZERO.
Brasil, 2015. Direção e roteiro:
José Pedro Goulart. Com Sandro Aliprandini, Patrícia Selonk, Eucir de Souza,
Larissa Tavares. 94 min.
O Ponto Zero pode ser entendido como o momento fugaz
que caracteriza o presente. Ao se tomar
consciência dele, ele já passou, já é lembrança. O que se vive, aqui e agora, pode ser uma
ilusão, um sonho, um pesadelo, uma distorção da percepção ou, simplesmente, um
elemento da memória, que retorna. Ou mesmo a expressão de um desejo ou de uma
fantasia.
O filme gaúcho “Ponto Zero”, escrito e dirigido por
José Pedro Goulart, explora esteticamente ideias como essas, ao retratar a
noite e madrugada, conturbada e tensa, vivida pelo garoto Ênio (Sandro
Aliprandini), de 14 anos de idade, entre a sua casa e a sua cama, as ruas
desertas de uma Porto Alegre adormecida e ambientes insones em que a
prostituição se destaca. Ou, quem sabe,
ela está apenas no outro lado da linha telefônica?
Onde está o presente?
Onde está a realidade? Na vida
diária do adolescente, que não suporta o conflito entre seu pai e sua mãe? No ciúme doentio da mãe? Na infidelidade explícita e desavergonhada do
pai? Na rádio que, de madrugada, se
relaciona com as angústias de seus ouvintes, onde seu pai trabalha e parece
pouco sensível aos sentimentos alheios?
Na busca da prostituta sofisticada, que atende ao telefone com mensagens
literárias, por exemplo, de Cecília Meireles?
Uma fotografia deslumbrante de ambientação noturna,
marcada por incessante chuva, domina a cena.
Explora o caráter misterioso da situação. É etérea, pálida e com as luzes da noite,
enfatizando a beleza dos pingos de chuva que insistem em não parar, das poças
d’água na rua ou da piscina borbulhando. Ou invade o ambiente urbano,
claustrofóbico, dos prédios aglomerados, passeia na bicicleta que percorre os
canteiros das avenidas, mas que se mete em casa ou na sala de aula, de forma
inesperada.
Há todo um clima de angústia e incerteza que domina o
filme enquanto nos proporciona essa experiência estética que se dá por meio da
ambientação, dos enquadramentos, da composição das cores e das luzes, nas tonalidades marrom e amarelada que
predominam nas cenas.
O jovem protagonista experiencia o que seu pai
Virgílio (Eucir de Souza) explicita em um dos poucos diálogos que o filme tem:
a vida, a morte e a sorte, as três coisas que existem no mundo, segundo o
personagem. Sobreviver a um dilúvio de
angústia e solidão é mesmo uma questão de sorte, como se verá.
O elenco que segura a onda desse projeto pretensioso
é muito bom. Mas dependia do desempenho
do ator estreante, Sandro Aliprandini, que está presente em, praticamente, todas as
cenas. Ele dá conta da responsabilidade,
com uma entrega considerável a um papel que exige muito dele.
José Pedro Goulart é estreante em longas-metragens,
mas dividiu com Jorge Furtado a direção de um curta-metragem famoso e
premiadíssimo, em 1986, “O Dia em que Dorival Encarou o Guarda”.
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