Antonio Carlos Egypto
A
38ª. Mostra Internacional de Cinema em São Paulo terminou, como de costume,
exibindo ótimos filmes que vieram de todas as partes do mundo. Houve decepções, também, mas não muitas. Pelo menos, na seleção de filmes a que
consegui assistir gostei da grande maioria.
Foram 46 filmes, em maior número de origem europeia, que apresentaram um
padrão de qualidade e inovação bem acima da média do que vem sendo
habitualmente lançado no circuito comercial dos cinemas, ao longo do ano.
Da
Suécia, vieram dois trabalhos brilhantes e originais no tratamento
cinematográfico: FORÇA MAIOR, de Ruben Ostlund (ver crítica no cinema com
recheio) e UM POMBO POUSOU NUM GALHO REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA, de Roy
Andersson, cujo título já mostra a que veio, com seu humor non sense, crítico e cáustico, que é um primor. Do Azerbaijão veio o mais belo dos filmes da
Mostra, visualmente falando, NABAT, de Elchin Musaoglu (ver crítica no cinema
com recheio).
Um Pombo Pousou Num Galho Refletindo A Existência |
A
força do cinema russo esteve presente em LEVIATÃ, de Andrey Zvyagintsev, e O
IDIOTA, de Yuriy Byrov, ambos tratando das questões que impedem o bom fluir da
existência na Rússia atual, tomada pela corrupção, pelas máfias, pela
burocracia, pela violência, pela ausência da ética na utilização de bens
públicos, pela opressão desmedida ao cidadão.
Um quadro desalentador, pessimista, que parece refletir um sentimento
coletivo forte, já que esse também é o tom de outros bons filmes russos que têm sido exibidos por aqui nos últimos
anos. LEVIATÃ se destaca pela narrativa
bem costurada e envolvente. Da Ucrânia, vem A GANGUE, de Myroslav Slaboshpytskiy,
que vai no mesmo tom de violência e opressão às pessoas, com a originalidade da
utilização criativa da ausência de diálogos e da linguagem dos sinais (ver
crítica no cinema com recheio).
Dois
filmes bonitos e delicados vieram do Japão: O SEGREDO DAS ÁGUAS, de Naomi
Kawase (ver crítica no cinema com recheio), e A PEQUENA CASA, de Yoji Yamada,
que nos trouxe uma história pungente vivida por uma mulher que trabalhou como
empregada e babá para uma família na juventude e tem segredos que podem vir à
tona em seu diário. Da Islândia, PARIS DO NORTE, de Hafsteinn Gunnar Sigur,
mostra as agruras da autonomia e da independência com um humor dramático, muito
bem dosado.
O Segredo Das Águas |
Entre
os franceses, destaque para RETORNO A ÍTACA, de Laurent Cantet, que, por meio
do encontro de velhos amigos, relembra e reflete sobre a vida em Cuba, suas
vicissitudes, prazeres e opressões na jornada política que se implantou, a
partir de 1959, e mexeu com a vida de todo mundo, de um jeito ou de outro. Da
Nova Zelândia, TUDO QUE AMAMOS PROFUNDAMENTE encontrou um prisma original para
falar do sequestro de crianças (ver crítica no cinema com recheio).
Além
dos filmes acima, que incluí na lista dos meus melhores, é importante destacar
RELATOS SELVAGENS, de Damián Szifrón, da Argentina (ver crítica no cinema com
recheio), que entrou em cartaz ainda durante a Mostra, e a saga OS MAIAS –
CENAS DA VIDA ROMÂNTICA, da obra de Eça de Queiroz, dirigido por João Botelho,
de Portugal.
Relatos Selvagens |
Foi
muito divertido ver A PEQUENA MORTE, de Josh Lawson, da Austrália, lidar com as
variações sexuais de forma inteligente e nada apelativa. Engraçado, mesmo! Entre os filmes espanhóis,
destaco HERMOSA JUVENTUD, de Jaime Rosales, um retrato duro dos desafios a que
estão expostos os jovens num momento de crise econômica que fecha portas e
amplia as dificuldades esperadas nessa fase de vida.
Foi
interessante ver DÓLARES DE AREIA, filme da República Dominicana, com a
participação de Geraldine Chaplin no elenco (ela esteve aqui na Mostra), com
direção de Laura Amelia Guzmán. Mas a
realização deixa um tanto a desejar. Também apreciei A ILHA DOS MILHARAIS, de George
Ovashvili, da Georgia. Bonito, apesar de problemas no roteiro, como um
personagem que simplesmente desaparece e ponto.
ENTRE
MUNDOS, o filme alemão de Feo Aladag, trata do convívio dos soldados alemães em
missão no Afeganistão, às voltas com as diferenças de crenças e valores e o
poder do Talibã. Um bom filme. FUGA DA REALIDADE, ainda da Alemanha, de
Christian Bach, trata da questão da esquizofrenia de um pai que põe a vida de
seu jovem filho em suspenso. É um
retrato muito competente da questão.
Outro belo filme.
Nabat |
De
Bruno Dumont, a série francesa O PEQUENO QUINQUIN, um antipolicial, melhor para
se ver em partes, não tudo de uma vez, como foi agora exibida, merece
atenção. E o que dizer do sempre tão
esperado novo filme dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne? Para mim, DOIS DIAS, UMA NOITE, apesar do
talento em filmar, que é evidente, é um
filme menor deles, utilizando um dilema moral que parte de uma premissa
inverossímil do ponto de vista legal.
SAM, de Elena Hazanov, da Suíça, é bem interessante ao mostrar a
paternidade como uma grande dificuldade para alguns homens. Uma criança pode ser capaz de ensinar seu
próprio pai a exercer a função?
Além
de tudo isso que eu gostei de ver, ainda tive a oportunidade de assistir a três
filmes antigos. O belo O SOL DO MARMELO,
de Victor Érice, de 1992, um documentário sobre o método e o processo criativo
de um pintor, e MELÔ, do grande Alan Resnais, de 1986. O terceiro, BAAL, de 1969, do grande diretor
Volker Schlöndorff, adaptando textos de Bertolt Brecht, tendo Rainer Werner
Fassbinder, Hanna Schygulla e Margarethe von Trotta no elenco,
surpreendentemente, decepcionou. O filme
não resistiu ao tempo, é chato, arrastado, intelectualizado fora da medida. Uma pena!
Nem tudo corresponde ao que a gente espera. Fazer o quê?
Força Maior |
Registre-se,
ainda, a oportunidade que a Mostra deu aos espectadores de rever a maioria dos
filmes de Pedro Almodóvar na telona e o belo cartaz assinado por ele. Pena que ele não tenha podido vir, em função
de uma operação recente, que inviabilizou que ele enfrentasse voos de muitas
horas de duração.
Aí
vai, então, a minha lista dos 10 mais da Mostra:
1.
FORÇA
MAIOR, Suécia.
2.
NABAT,
Azerbaijão.
3. UM
POMBO POUSOU NUM GALHO REFLETINDO SOBRE A EXISTÊNCIA, Suécia.
4.
A
GANGUE, Ucrânia.
5.
LEVIATÃ,
Rússia.
6.
O
SEGREDO DAS ÁGUAS, Japão.
7.
A
PEQUENA CASA, Japão.
8.
PARIS
DO NORTE, Islândia.
9.
RETORNO
A ÍTACA, França.
10. TUDO QUE AMAMOS PROFUNDAMENTE,
Nova Zelândia.
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