quarta-feira, 28 de maio de 2014

HELI

                                           
Antonio Carlos Egypto



HELI (Heli).  México, 2013.  Direção: Amat Escalante.  Com Armando Espitia, Andrea Vergara, Linda González, Juan Eduardo Palacios.  105 min.


O que você faria se encontrasse escondida na caixa d’água da sua casa pacotes de cocaína que, certamente, valem um bom dinheiro?  Chamaria a polícia?  Tentaria vender a droga e embolsar uma grana?  Procuraria encontrar o dono da droga, para entregar-lhe a mercadoria?  Se livraria do produto, jogando-o fora?  É uma decisão complicada, principalmente considerando-se que a tal cocaína não caiu do céu, foi colocada ali por alguém.  Quem e por quê?

Até que você descobrisse o que aconteceu, poderia já ser tarde demais.  O jovem Heli não sabia do namoro de sua irmã menor, Estela, de 12 ou 13 anos, com um soldado do exército e que a droga fora roubada do próprio exército, que teria de incinerá-la.  Quem a guardou vai querer tê-la de volta, a qualquer custo e pode causar muitos danos não só ao Heli e à irmã, mas ao resto da família. 



Esse mote serve ao diretor Amat Escalante para mostrar as relações do narcotráfico com a polícia, o exército e a população, num ambiente amplamente minado pela droga, onipresente e ilegal.  E não vacila em adotar um hiperrealismo em todas as cenas do longa, que mostram muita violência, tortura e requintes de crueldade capazes de mexer com qualquer um.  Incomoda, e muito.  Mas o que revela da sordidez humana, da miséria, da diluição dos poderes institucionais de um país como o México, é certamente instrutivo, conscientizador e... desolador.

Sempre que um produto artístico escolhe um viés, no caso, crítico e pessimista, sabemos que existem outros lados nessa desgraça.  Nem tudo é assim, não pode estar tudo assim.  Do contrário, o México não subsistiria como nação.  Mas que há um povo despossuído, que sofre na carne as maiores brutalidades e paga um preço alto pela guerra do narcotráfico, não há como negar.

O que se pode perguntar é se é mesmo preciso ser explícito a esse ponto, na violência e crueldade que se mostra no filme, para que as pessoas possam entender o que se passa.  Afinal, trata-se de uma terapia de choque.



Nem todo mundo vai aguentar ou querer se submeter a esse retrato cruel da realidade.  O Festival de Cannes, em 2013, aprovou e o longa “Heli” foi vencedor do prêmio de melhor direção.  Amat Escalante também levou o troféu de melhor direção, na primeira edição do Prêmio Platino, dedicado ao cinema ibero-americano, na cidade do Panamá, em abril de 2014.

Eu creio que existem outras maneiras de abordar essa dura realidade que o filme se propôs a mostrar.  A sutileza, a ironia, o humor, podem ser armas tão ou mais eficientes do que a denúncia agressiva.  Mesmo num mundo em que as pessoas podem parecer anestesiadas diante de tanta coisa que veem.

O que é muito chocante pode produzir também o efeito contrário: o da rejeição do assunto ou da forma apresentada.  O que é muito assustador pode, ainda, produzir impotência e paralisia.  Quando a dose é excessiva, a receita pode desandar, por melhores que sejam as intenções e os ingredientes utilizados.


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