segunda-feira, 14 de abril de 2014

O PASSADO

Antonio Carlos Egypto




O PASSADO (Le Passé).  França, 2013.  Direção: Asghar Farhadi.  Com Bérénice Bejo, Ali Mosaffa, Tahar Rahim, Pauline Burlet.  131 min.


“A Separação”, grande filme de Asghar Farhadi, venceu o Oscar de filme estrangeiro, representando o Irã, em 2012, além de um monte de prêmios internacionais.  Foi apontado como um dos melhores filmes daquele ano, em praticamente todas as listas de destaques da crítica no Brasil, e escolhido como o melhor filme estrangeiro do ano, pela Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema).




O cinema iraniano já havia brilhado intensamente com cineastas como Abbas Kiarostami, Moshen Makmalbaf e Jafar Panahi, os dois primeiros vivendo agora fora do país e o terceiro, em prisão domiciliar, impedido de trabalhar e, mesmo assim, produzindo clandestinamente.  Asghar Farhadi se mostra à altura de seus colegas desde “Procurando Elly”, de 2009, com seu realismo que surpreende a cada passo e introduz dilema sobre dilema, fazendo pensar.  Mas também ele acabou na França.  Seu novo filme, “O Passado”, já não é iraniano, mas francês.  Integra até o Festival Varilux do Cinema Francês, em cartaz em várias cidades brasileiras.  No entanto, o Irã deseja que o filme represente o país novamente nas indicações ao próximo Oscar.  É verdade que há um protagonista iraniano que constituiu família com uma francesa e vem de Teerã para assinar o divórcio em Paris. O personagem é simpático e equilibrado. Quem vive o papel é um ator iraniano.  Mas é só.

O fato de o filme se passar na França e com personagens e atores franceses parece ter feito muita diferença para o cinema de Asghar Farhadi.  O seu estilo característico, fortemente realista e cheio de reviravoltas e segredos que surpreendem a cada passo, está lá, intacto.  Mas o contexto cultural do país persa não mais.  Isso esvazia um pouco as questões, remetendo-as mais à ambientação psicológica e ao relacionamento interpessoal e familiar, do que ao seu substrato sociólogico. Na verdade, o forte vínculo do psíquico com o sociocultural dos outros filmes é que lhe dava uma dimensão maior e despertava grande interesse pelo desenvolvimento da trama e das ações que engendrava.  Pelo menos, do ponto de vista de quem via os filmes de fora do Irã.




“O Passado” é, sem dúvida, um bom filme, bem construído e interpretado, que trata de compreender como as pessoas podem se enroscar, se enrolar, se perder em relacionamentos marcados por segredos do passado, coisas mal resolvidas, medos, covardias, e escolhas inconscientes, das quais não suspeitam. E que podem comprometer a vida, a felicidade, o fluir dos relacionamentos e as novas construções que se buscam.  Como se vê, não é pouco.  Mas não alcança o padrão da arquitetura fílmica de “A Separação”.

A história envolve muitas conversas face a face, entre dois diferentes personagens, boa parte do tempo.  Isso acaba sendo um problema, às vezes.  Algumas soluções para que os personagens se encontrem a sós soam forçadas. O tempo escapa ao realismo das ações, para que algumas conversas possam acontecer, enquanto alguém espera, sem poder saber o que ocorre.  O filme tem, desta vez, alguns problemas.  Ficou abaixo dos filmes iranianos anteriores.  Mas o cineasta continua merecendo todo o crédito.




Abbas Kiarostami continuou renovando fortemente o cinema, como fazia no Irã, ao filmar na França obras como “Cópia Fiel”, de 2010, e “Um Alguém Apaixonado”, de 2012.  Se Farhadi permanecer na França, poderá reencontrar o seu melhor estilo, talvez refletindo mais fortemente sobre a sociedade francesa contemporânea.  Parece que ele gostaria de voltar a viver no Irã, mas será preciso que encontre condições de trabalho para que isso aconteça.  É evidente que, quando alguém fala do seu quintal, tem maior conhecimento de causa.


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