Antonio Carlos Egypto
PHILOMENA (Philomena). Reino Unido, 2013. Direção:
Stephen Frears. Com Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy
Clark, Anna Maxwell Martin. 98
min.
Irlanda católica, 1952. Philomena Lee, aos 14 anos de idade, já era
considerada uma grande pecadora. Tinha
engravidado fora do casamento, era uma vergonha para sua família. Sendo assim, foi enviada para a Abadia Sean
Ross, na pequena cidade de Roscrea, para ter o parto e cuidar da criança, até
que as freiras encontrassem um casal disposto a adotá-la. Foi assim que nasceu
Anthony Lee, que acabou sendo levado para os Estados Unidos, rebatizado de
Michael Hess, que se tornaria um importante assessor do Partido Republicano,
nos governos de Reagan e George Bush, e morreria sem conhecer sua mãe
biológica.
Philomena era apenas uma das muitas meninas
“pecadoras”, que passaram pela Abadia de Roscrea. Todas as meninas que lá viveram, enquanto
seus bebês não eram adotados, tinham de usar outros nomes (assim como fazem as
freiras) e trabalhar para o convento durante esse tempo, que poderia durar
alguns anos. As adoções eram regiamente
pagas às religiosas pelos casais interessados.
E os Estados Unidos, um local privilegiado para o envio dessas
crianças. As meninas “pecadoras” pagavam
por seus pecados não só no trabalho
pesado mas também no parto dolorido e no tratamento duro recebido das freiras,
embora não de todas. Sempre havia alguma
que se apiedava delas ou fazia uma grande gentileza, por exemplo, tirar uma
foto da criança, mesmo sem ter permissão para isso.
Essa história real, que o grande diretor britânico
Stephen Frears adaptou para o cinema, virou livro. O escritor, apresentador e jornalista inglês,
Martin Sixsmith, reconstruiu toda a
história de Anthony Lee/Michael Hess, a partir do desejo de Philomena Lee, que
durante cinquenta anos procurou encontrar seu filho em algum lugar do mundo,
saber quem ele era, como vivia, se pensava nela. Verdade que ela havia assinado um termo em
que não só entregava seu filho à adoção, como se comprometia a nunca mais
querer saber dele ou procurá-lo. Mas
isso era parte da provação pela qual teria de pagar seus pecados, que ela
demorou quase toda uma vida para pôr em dúvida.
Na verdade, ela nunca quis ficar sem seu filho, embora não tivesse
condições de criá-lo.
No filme, Philomena jovem (Sophie Kennedy Clark), no
convento, e ela mesma, cinquenta anos depois, vivida magistralmente por Judi
Dench, e o jornalista Martin (Steve Coogan) são os personagens principais que
conduzem toda a história. No livro de
Martin Sixsmith, toda a trajetória de Anthony Lee/Michael Hess é construída
passo a passo, com base em fotos, registros, documentos e depoimentos de quem
conviveu com ele ao longo de sua tormentosa vida, mas bem sucedida
carreira. E entra nos detalhes de sua
vida amorosa, doença e morte, em tempos de descoberta do vírus HIV, e pelos
caminhos tortuosos que a compreensão, prevenção e tratamento da Aids nos
governos republicanos dos Estados Unidos tiveram de passar.
O foco de Stephen Frears no filme, no entanto, foi
outro. A comovente história da mãe
alijada do seu filho e desejosa de encontrá-lo foi um sofrimento imposto por
uma visão moralista da sexualidade e amparada por uma política de governo. O Estado irlandês atribuiu à igreja a missão
de isolar e cuidar das jovens mães solteiras e promover a adoção dos
bebês. As vantagens econômicas dessas
ações eram evidentes e estavam implícitas no trato. Mas quando a atriz hollywoodiana Jane Russell
adotou uma criança irlandesa, proveniente da Abadia de Roscrea, a repercussão
da notícia exigiu que se rediscutisse o assunto. Ficou evidente que o Estado irlandês não tinha
o menor controle sobre o que fazia a Igreja Católica nesse acordo e qualquer
tentativa de fiscalização era imediatamente rechaçada pelas autoridades
eclesiásticas.
O resgate dessa história profundamente humana, com o sofrimento
que causou, ancorada em premissas morais ultrapassadas, é muito interessante e
necessário. Para que essas coisas não
venham a se repetir. Para que novos
valores, que se baseiam no respeito, na tolerância, na diversidade e na
compreensão do outro, possam impedir que julgamentos morais e princípios
rígidos voltem a se impor. Ou, onde eles
ainda vigoram, que possam ser superados.
O cinema de Stephen Frears costuma estar atento a
questões humanistas, explorações indevidas e aspectos históricos relevantes. “Ligações Perigosas”, de 1988, “Liam”, de
2000, “Sra. Henderson Apresenta”, de 2004, “A Rainha”, de 2006, e “Chéri”, de
2009, são alguns exemplos relevantes da filmografia do diretor.
Sophie Kennedy Clark |
“Philomena” concorre ao Oscar em algumas categorias.
Entre elas a indicação de Judi Dench
para melhor atriz. Ela já ganhou uma
vez, como atriz coadjuvante, por “Shakespeare Apaixonado”, de 1998, no papel da
rainha Elizabeth. Trabalhando com
Stephen Frears, ela ganhou um de seus diversos prêmios de melhor atriz, no
BAFTA, o Oscar britânico, pelo papel em “Sra. Henderson Apresenta”.
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