quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

PHILOMENA

                             
                     
Antonio Carlos Egypto



PHILOMENA (Philomena). Reino Unido, 2013.  Direção:  Stephen Frears.  Com Judi Dench, Steve Coogan, Sophie Kennedy Clark, Anna Maxwell Martin.  98 min.


Irlanda católica, 1952.  Philomena Lee, aos 14 anos de idade, já era considerada uma grande pecadora.  Tinha engravidado fora do casamento, era uma vergonha para sua família.  Sendo assim, foi enviada para a Abadia Sean Ross, na pequena cidade de Roscrea, para ter o parto e cuidar da criança, até que as freiras encontrassem um casal disposto a adotá-la. Foi assim que nasceu Anthony Lee, que acabou sendo levado para os Estados Unidos, rebatizado de Michael Hess, que se tornaria um importante assessor do Partido Republicano, nos governos de Reagan e George Bush, e morreria sem conhecer sua mãe biológica.

Philomena era apenas uma das muitas meninas “pecadoras”, que passaram pela Abadia de Roscrea.  Todas as meninas que lá viveram, enquanto seus bebês não eram adotados, tinham de usar outros nomes (assim como fazem as freiras) e trabalhar para o convento durante esse tempo, que poderia durar alguns anos.  As adoções eram regiamente pagas às religiosas pelos casais interessados.  E os Estados Unidos, um local privilegiado para o envio dessas crianças.  As meninas “pecadoras” pagavam por seus pecados  não só no trabalho pesado mas também no parto dolorido e no tratamento duro recebido das freiras, embora não de todas.  Sempre havia alguma que se apiedava delas ou fazia uma grande gentileza, por exemplo, tirar uma foto da criança, mesmo sem ter permissão para isso.



Essa história real, que o grande diretor britânico Stephen Frears adaptou para o cinema, virou livro.  O escritor, apresentador e jornalista inglês, Martin Sixsmith,  reconstruiu toda a história de Anthony Lee/Michael Hess, a partir do desejo de Philomena Lee, que durante cinquenta anos procurou encontrar seu filho em algum lugar do mundo, saber quem ele era, como vivia, se pensava nela.  Verdade que ela havia assinado um termo em que não só entregava seu filho à adoção, como se comprometia a nunca mais querer saber dele ou procurá-lo.  Mas isso era parte da provação pela qual teria de pagar seus pecados, que ela demorou quase toda uma vida para pôr em dúvida.  Na verdade, ela nunca quis ficar sem seu filho, embora não tivesse condições de criá-lo. 

No filme, Philomena jovem (Sophie Kennedy Clark), no convento, e ela mesma, cinquenta anos depois, vivida magistralmente por Judi Dench, e o jornalista Martin (Steve Coogan) são os personagens principais que conduzem toda a história.  No livro de Martin Sixsmith, toda a trajetória de Anthony Lee/Michael Hess é construída passo a passo, com base em fotos, registros, documentos e depoimentos de quem conviveu com ele ao longo de sua tormentosa vida, mas bem sucedida carreira.  E entra nos detalhes de sua vida amorosa, doença e morte, em tempos de descoberta do vírus HIV, e pelos caminhos tortuosos que a compreensão, prevenção e tratamento da Aids nos governos republicanos dos Estados Unidos tiveram de passar.




O foco de Stephen Frears no filme, no entanto, foi outro.  A comovente história da mãe alijada do seu filho e desejosa de encontrá-lo foi um sofrimento imposto por uma visão moralista da sexualidade e amparada por uma política de governo.  O Estado irlandês atribuiu à igreja a missão de isolar e cuidar das jovens mães solteiras e promover a adoção dos bebês.  As vantagens econômicas dessas ações eram evidentes e estavam implícitas no trato.  Mas quando a atriz hollywoodiana Jane Russell adotou uma criança irlandesa, proveniente da Abadia de Roscrea, a repercussão da notícia exigiu que se rediscutisse o assunto.  Ficou evidente que o Estado irlandês não tinha o menor controle sobre o que fazia a Igreja Católica nesse acordo e qualquer tentativa de fiscalização era imediatamente rechaçada pelas autoridades eclesiásticas.



O resgate dessa história profundamente humana, com o sofrimento que causou, ancorada em premissas morais ultrapassadas, é muito interessante e necessário.  Para que essas coisas não venham a se repetir.  Para que novos valores, que se baseiam no respeito, na tolerância, na diversidade e na compreensão do outro, possam impedir que julgamentos morais e princípios rígidos voltem a se impor.  Ou, onde eles ainda vigoram, que possam ser superados.

O cinema de Stephen Frears costuma estar atento a questões humanistas, explorações indevidas e aspectos históricos relevantes.  “Ligações Perigosas”, de 1988, “Liam”, de 2000, “Sra. Henderson Apresenta”, de 2004, “A Rainha”, de 2006, e “Chéri”, de 2009, são alguns exemplos relevantes da filmografia do diretor.

Sophie Kennedy Clark

“Philomena” concorre ao Oscar em algumas categorias. Entre elas a indicação de  Judi Dench para melhor atriz.  Ela já ganhou uma vez, como atriz coadjuvante, por “Shakespeare Apaixonado”, de 1998, no papel da rainha Elizabeth.  Trabalhando com Stephen Frears, ela ganhou um de seus diversos prêmios de melhor atriz, no BAFTA, o Oscar britânico, pelo papel em “Sra. Henderson Apresenta”. 
                             

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