terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

ERA UMA VEZ EM TÓQUIO

                  
 Antonio Carlos Egypto




ERA UMA VEZ EM TÓQUIO (Tokyo Monogatari).  Japão, 1953.  Direção: Yasujiro Ozu.  Com Chishu Ryu, Chieko Higashiyama, Setsuko Hara, So Yamamura.  135 min.


Yasujiro Ozu (1903-1963) é um dos maiores cineastas de todos os tempos.  Ao lado de Kenji Mizoguchi (1898-1956) e Akira Kurosawa (1912-1998) forma a trinca de ouro do cinema japonês, pelo menos do ponto de vista do Ocidente.  O Japão tem uma vasta e variada filmografia, que já teve espaços de exibição privilegiados em São Paulo, nos cinemas que existiam no bairro da Liberdade, e tem, obviamente, muitos autores importantes.  Ocorre que Kurosawa, Mizoguchi e Ozu são geniais e o cinema que eles construíram abriu caminhos, fez escola e deixou marcas inconfundíveis.



Ozu dedicou sua obra cinematográfica ao estudo das interações humanas, a partir da família.  Intimista na abordagem, seguindo o ritmo lento da vida, ele se preocupa com os detalhes, evita excessos dramáticos e assim capta o cotidiano.  Retrata a tradição familiar a partir das casas, sua relação com a natureza, a mudança das estações, os fenômenos naturais, como o vento e a chuva, sempre em busca de captar o relacionamento humano, os conflitos entre gerações.  Atento à tradição, mostra a mudança: a ocidentalização do Japão, o avanço da tecnologia na época, a grande cidade e o tempo que se esvai, transformando os contatos familiares.



É famoso por colocar a câmera fixa à altura do olhar das pessoas sentadas no tatame.  E a vida se revela àquela câmera com uma profundidade psicológica que é excepcional.  Na aparente simplicidade da técnica e da temática, emerge um cinema de grande profundidade.

Muitos são os filmes marcantes de sua filmografia, que começa em 1927/1928, com “Zange No Yaba” e “Sonhos de Juventude”, ainda no cinema mudo, e se encerra com o belíssimo “A Rotina Tem Seu Encanto”, de 1962.  “Pai e Filha”, de 1949, “Também Fomos Felizes”, de 1951, “Flor do Equinócio”, de 1958, “Bom-Dia” e “Ervas Flutuantes”, de 1959, “Dia de Outono”, de 1960, são apenas alguns deles.  Sua obra-prima, porém, é, reconhecidamente, “Era Uma Vez em Tóquio”, de 1953.  E é justamente esse filme, que consta da lista dos melhores de todos os tempos da crítica cinematográfica mundial, que está sendo relançado no cinema, numa bela cópia restaurada digitalmente.  É uma oportunidade para não se perder.



A temática gira em torno de um casal de idosos que mora numa pequena vila à beira-mar e decide visitar os filhos que foram viver em Tóquio, onde cuidam de suas próprias vidas e famílias, do trabalho e da subsistência.  Eles constatam que os filhos estão muito ocupados para recebê-los, vivem agora uma vida muito diferente da deles.  Mas uma nora, que perdeu o marido na Segunda Guerra Mundial, os acolherá de um modo que seus filhos não fizeram.

O interessante é que também está sendo exibido agora nos cinemas “Uma Família em Tóquio”, do cineasta japonês Yoji Yamada, discípulo de Ozu, realizado em 2013, que é uma refilmagem do clássico “Era Uma Vez em Tóquio”, atualizada para o Japão de hoje, em que as relações familiares estão mais esgarçadas e as consequências da modernidade, muito evidentes.  Já as casas, o vestuário e, sobretudo, a tecnologia mudaram radicalmente.  É também um belo filme, embora não possa se comparar a um original tão poderoso.

Uma Família Em Tóquio


“Era Uma Vez em Tóquio” tem sido fonte de inspiração para muitos outros filmes ao redor do mundo.  Um que é muito competente, partindo da inspiração de Ozu, é “Hanami – Cerejeiras em Flor”, produção alemã de 2008, dirigida por Doris Dörrie, que pode ser conferida em DVD.  É um filme encantador e emocionante, seguindo as pegadas do mestre Ozu e sua história básica do casal de idosos, cujos filhos não têm tempo para eles, em Berlim.  Mas o Japão comparece por meio da poesia.

Afinal, o que é o grande cinema de Ozu, senão poesia pura?  Seus seguidores bebem dessa fonte inesgotável.


Um comentário: