quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA

                       

Antonio Carlos Egypto



O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA.  Portugal, 2010.  Direção e roteiro: Manoel de Oliveira.  Com Ricardo Trêpa, Pilar Lopez de Ayala, Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra, Filipe Varga.  95 min.



Grande mestre do cinema, o cineasta português Manoel de Oliveira realizou este “O Estranho Caso de Angélica” aos 102 anos de idade, em 2010.  Em 2012, apresentou nos festivais “O Gebo e a Sombra” e está filmando “A Igreja do Diabo”, baseado em contos de Machado de Assis, com Fernanda Montenegro e Lima Duarte no elenco.  Impressionante, não?

Manoel de Oliveira

Angélica (Pilar Lopez de Ayala), uma mulher lindíssima, morre poucos dias depois de se casar.  Sua família, que está bem de vida, chama com urgência um fotógrafo profissional para registrar a moça morta no auge da juventude e da beleza.  Com efeito, Issac (Ricardo Trêpa, neto do diretor), o jovem fotógrafo, fica impressionado com ela.  Naturalmente, por sua beleza, mas, principalmente, porque ao ser retratada ela se move, pisca para ele.  E só para ele.  Ninguém mais vê.

A partir daí, ele se tornará obcecado por ela.  Procurará encontrar nas fotos que tirou o mistério da criatura e da situação.  Em busca do registro visual revelador, como o de Antonioni, em “Blow-Up”.



Issac passa a conviver com a imagem de Angélica e com ela, como um fantasma.  De sujeito reservado e até antissocial, como comprova seu convívio na pensão onde vivia, o homem passa a ser um enamorado, um romântico.  O amor produzindo mudanças radicais no comportamento das pessoas.  Mas que espécie de amor será esse?  Ao que poderá levar?

Essa história realmente estranha, sobrenatural, dá margem a que Manoel de Oliveira explore efeitos especiais muito interessantes.  Ninguém nunca viu antes pessoas voando nos filmes dele, marcados pelo realismo e pela reflexão sobre a vida.  O que não significa que ele não tenha uma atração pelo inusitado, pelo surreal.  Esse caminho, complementado por uma erudição visível, já foi capaz de produzir belos trabalhos em sua vasta obra cinematográfica.  Muitas vezes, também, ele escolhe textos literários que bebem nessas fontes.

“O Estranho Caso de Angélica” perscruta a alma humana por meio da perplexidade romântica de Issac.  De alguma forma, ele sempre viveu num outro mundo.  Mas, estando à parte, manifestava uma sensibilidade especial.  Isso não dizia respeito apenas à beleza feminina, mas também às questões sociais, como o trabalho na terra que ele registrava, acompanhando trabalhadores rurais portando enxadas.



Sua câmera, assim como a do cinema de Manoel de Oliveira, está atenta a tudo, se interessa pelas agruras e mistérios do mundo e pensa sobre ele.  Constantemente.  Um ser solitário que pesquisa o seu ambiente e o mundo.  A câmera é seu maravilhoso instrumento, o meio de produzir esse conhecimento.  Na fotografia, que se move transformando as coisas, está o próprio cinema.  O centenário realizador continua a crer no seu meio de abordar e compreender as coisas, com uma juventude de fazer inveja a qualquer um de nós.

Conhecer a obra de Manoel de Oliveira é beber dessa fonte inesgotável de saber, culto e elegante.  Ao mesmo tempo, encarar uma provocação intrigante e misteriosa, como a história de Angélica e do seu fotógrafo póstumo.



“O Estranho Caso de Angélica” foi o filme de abertura da sessão Un Certain Regard, no Festival de Cannes 2010, e foi também o filme de abertura da 34ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.  Só agora chega à exibição comercial nos cinemas.  Antes tarde do que nunca.

A obra de Manoel de Oliveira em DVD no Brasil ainda é também muito modesta, em relação à sua produção.  Poucos títulos estão disponíveis.  Está mais do que na hora de suprir essa lacuna.  Estão esperando o quê?


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