domingo, 30 de setembro de 2012

POLÍSSIA

 Antonio Carlos Egypto

POLÍSSIA (Polisse).  França, 2011.  Direção: Maïwenn.  Com Karin Viard, Joey Starr, Marina Foïs.  127 min.
“Políssia”, assim mesmo, com dois ss em lugar do c, talvez tenha esta escrita para significar polícia ma non troppo.  Pelo menos, é o meu palpite.  São policiais especiais os que são retratados aqui.
O filme mostra o cotidiano de uma unidade policial: a Brigada de Proteção ao Menor, de Paris.  O que eles mais lidam é com situações de abuso sexual, geralmente sob a forma de pedofilia.  O abuso de crianças, como se sabe, na grande maioria dos casos, se dá em família ou envolve pessoas muito conhecidas, tais como amigos, vizinhos, professores. Assim, se sucedem os depoimentos, tanto das crianças como dos adultos suspeitos.  Há outros casos também, os de maus-tratos e os de abandono de crianças e infrações cometidas pelos menores de idade, de um modo geral.

O modus operandi desses policiais é mostrado, assim como o envolvimento genuíno deles com temas tão tocantes e a importância que sabem que têm.  Eles são comprometidos com o que fazem.  Ainda que possamos estranhar alguns de seus métodos, o trabalho deles merece respeito.
O que se estranha, por exemplo, é a falta de um espaço de intimidade para lidar com uma questão tão delicada.  Depoimentos são tomados por vários deles ao mesmo tempo e as questões são sempre diretas demais.  Em relação às crianças, geralmente é preciso abordá-las de uma forma mais indireta e simbólica.  Muitos desses casos tratados no Brasil por instituições especializadas demandam o trabalho cuidadoso de psicólogos bem preparados para abordar o assunto.  Trabalha-se com bonecos e dramatização para se chegar aos fatos, procurando proteger a criança e lhe dando suporte para que possa reviver as situações traumáticas que cercam os casos de abuso sexual.

Aqui, não, eles são jovens policiais, escolados, vão direto ao assunto, brigam pela causa e acabam cometendo excessos ou fortes inadequações.  Como o ataque de riso que os acomete, quando interrogam uma garota que se submeteu a abuso para recuperar seu celular.  De qualquer modo, é muito interessante ver o trabalho deles e o quanto se envolvem com o que fazem.
O filme se bastaria se mostrasse esse cotidiano, focando no trabalho que realizam, mas, como vem acontecendo em vários títulos do cinema francês atual, inclui um monte de outros ingredientes desnecessários, que afrouxam o foco da trama.  Os muitos personagens, seus comportamentos, sentimentos e vínculos, servem para mostrar a humanidade e até a banalidade da vida desses policiais, que enfrentam uma barra social tão pesada como a temática que lhes concerne.  Mas, ao tentar desenvolver o que envolve a vida de cada um, o foco principal do filme acaba se dispersando e o que fica é um painel de situações em que nada se aprofunda ou se dá a conhecer por inteiro.

A personagem da fotógrafa que registra, aparentemente de forma impassível, o trabalho do grupo e acaba por se envolver com o mais passional dos policiais, com direito a explorar os conflitos familiares de ambos, nada acrescenta ao tema principal da trama.  Será que não há filme que se sustente sem que apareça um par romântico improvável? 
Como se não bastasse, o filme ainda pretende tratar das relações de poder entre esse núcleo policial e seus superiores, roçando no preconceito e desvalorização que essa unidade sofre.  E, ainda, expõe os conflitos internos entre alguns dos membros da Brigada de Proteção ao Menor.  Em que pese a motivação que os une, a coesão grupal muito positiva, há grandes tensões e dificuldades que acabam alimentando problemas entre os seus integrantes.  Mas é coisa demais.

O modelo de múltiplos personagens e situações, tudo posto no mesmo caldeirão para ser mexido, só complica o roteiro e a narrativa.  É uma pena esse excesso.  Perde-se uma oportunidade de realizar um filme mais denso e focado sobre uma temática extremamente importante e um trabalho que merece mesmo ser registrado por meio da ficção e discutido.  O filme foi vencedor do Prêmio do Júri do Festival de Cannes de 2011 e teve 13 indicações ao César 2012, o Oscar francês.

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