quinta-feira, 6 de setembro de 2012

CARA OU COROA

 Antonio Carlos Egypto

CARA OU COROA, Brasil, 2011.  Direção: Ugo Giorgetti.  Com Emílio de Mello, Júlia Ianina, Geraldo Rodrigues, Otávio Augusto, Walmor Chagas.  110 min.


No Brasil 1971, vivíamos a ditadura militar em plena vigência do Ato Institucional nº 5, o golpe dentro do golpe.  Governo Médici.  Censura, perseguições políticas, prisões e desaparecimentos, tortura.  Ser jovem naquele tempo implicava viver de forma arriscada, com uma pitada de heroísmo. 
“Cara ou Coroa”, de Ugo Giorgetti, focaliza essa juventude no meio teatral.  O teatro, como todas as artes: a música, o cinema, a dança, as artes plásticas, tinha de ser uma arte de resistência.  Era sua razão de ser e existir naquele período.  Era também um caminho de inovação, incorporando os novos ventos libertadores que o mundo podia se permitir, mas não por aqui.  Cabelos compridos, roupas extravagantes, rock, drogas e o corpo se expressando no palco, já representavam grandes conquistas.  Tudo valia para passar a mensagem cifrada pela liberdade e democracia.  Ou pela revolução socialista.  E contra o conservadorismo nos costumes e na moral.


João Pedro e seu irmão Getúlio estão nesse meio teatral e têm vínculos com o Partido Comunista.  O pai deles é taxista e anticomunista.  Lilian, namorada de Getúlio, é neta de um general do exército, já na reserva.  Com esses personagens, “Cara ou Coroa” recria aquela época em que sobreviver era um tanto complicado e se omitir, um pecado grave.  O que era possível fazer: circular notícias proibidas, ir em busca de um jornal alternativo, ajudá-lo a existir, assinar manifestos, entregar uma carta a um parente de exilado, cantar as músicas da MPB proibidas, participar dos festivais, vaiando ou aplaudindo, curtir e discutir o cinema novo, o teatro de resistência, e, talvez, abrigar alguém que esteja sendo perseguido em algum lugar, por alguns dias.  Essas coisas dariam sentido à existência para jovens que pretendiam lutar contra a ditadura.  O movimento estudantil, as passeatas, a esta altura, eram fortemente reprimidos. A luta política estava na clandestinidade.  E a luta armada era a opção mais radical e destrutiva.



Ler “O Pasquim” ou “O Movimento”, cantar as músicas provocadoras do Chico Buarque ou dos tropicalistas, apoiar o Living Theater em passagem pelo Brasil, que também teve seus integrantes presos, essas coisas também eram importantes de se fazer. 
Abrigar pessoas perseguidas em casa exigia uma dose de coragem bem maior.  Esse será o desafio que se imporá aos personagens do filme, simbolizando essa época de chumbo, de cuja lembrança, curiosamente, “Cara ou Coroa” tem nostalgia.  Era dura, mas era bonito, porque éramos jovens e belos.
Não sei se compartilho disso, não.  Visto hoje, retrospectivamente, pode parecer assim, para quem não morreu, não ficou lesado, física ou psiquicamente.  Para quem pegou mais leve nessa resistência, por certo.  Ou teve mais sorte.


O fato é que, em busca da reconstrução desse período, por meio desses personagens jovens ligados ao teatro, o filme traz à lembrança um número grande de referências que marcaram esse momento histórico.  Os cartazes das peças de teatro que se destacaram, os anúncios e produtos da época, os fusquinhas que dominavam o mundo dos automóveis, as ruas, o interior das casas, os eletrodomésticos, os programas de TV, está tudo lá.  A saudade de um período duro, mas que tinha seu charme, especialmente no idealismo e na generosidade dos jovens.  É um olhar mais intimista sobre um período marcadamente político, ideológico e violento da nossa história.

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