quinta-feira, 4 de agosto de 2011

MAMUTE

Antonio Carlos Egypto

MAMUTE (Mammuth). França, 2010. Direção e roteiro: Gustav de Kervern e Benoit Delépine. Com Gérard Depardieu, Yolande Moreau, Isabelle Adjani e Anna Mouglalis. 92 min.

Gérard Depardieu volta ao cinema com força total. Ainda estão em exibição, nos cinemas brasileiros, “Minhas tardes com Margueritte” e “Potiche – esposa troféu”, filmes em que ele atua e cujas críticas podem ser encontradas aqui, no cinema com recheio. E agora entra em cartaz “Mamute”, em que Gérard faz o personagem Serge. Segundo os diretores do filme, tal personagem foi escrito especialmente para ele, um ator perfeito para um protagonista “ao mesmo tempo forte e delicado, expressivo e cativante”.

Serge aparece nas primeiras cenas do filme trabalhando como açougueiro e se aposentando numa festinha chocha junto aos colegas. Em seguida, fica-se sabendo que, para ter direito à aposentadoria integral, o que supostamente (na França) o deixaria tranquilo, ele precisa conseguir documentos de, pelo menos, dez outros empregos anteriores. Sua mulher o estimula a ir atrás disso e ele o fará, montado em sua antiga moto, dos anos 1970.

Essa situação dá margem a uma espécie de road movie, em que o personagem reencontra elementos significativos do seu passado, retoma contatos de trabalho antigos e vai se redescobrindo. Descrito assim como faço aqui, o início parece convencional, o filme lembra muitos outros e soa até pouco atraente. Mas não é assim.

Se há uma virtude que “Mamute” tem é a de nos surpreender a cada passo. Quase tudo que acontece quebra as expectativas usuais. Cada sequência inova em algo, no comportamento esquisito de alguém, numa ofensa desmedida para o contexto em que ela se dá, na caracterização dos ambientes em que objetos são percebidos como deslocados, excessivos, infantis. Ou num grande afeto, que se revela ser uma outra coisa.

De coisas e situações bizarras a fita está repleta. Aparentemente, nada está no lugar, se justifica racionalmente ou faz parte de forma integrada daquele universo. Mas também não estamos no terreno do fantástico ou do absuro. Tudo parece natural e, por que não, plausível. Só que não é o que se espera.

Quem já está cansado de ver tramas previsíveis, a ponto de ser capaz de antecipar os próximos acontecimentos, certamente vai adorar “Mamute”. As cenas são inovadoras e criativas, na ordem e no sentido em que são apresentadas. Vistas isoladamente, talvez não chegassem a surpreender, mas no conjunto formam um todo bastante original.

O fato de não ser uma história tratada de forma linear facilita essa criatividade. Há um fio condutor: o das viagens do protagonista, em busca dos papéis de sua aposentadoria. E por se tratar de uma figura ao mesmo tempo infantilizada e abrutalhada, dá para imaginar os empregos alternativos pelos quais Serge passou. Dá margem a todo tipo de inusitado. Mas o filme vai além, produzindo estranhamento onde não se espera, inclusive em relacionamentos pessoais bizarros, que ficaram no passado, em supostas pessoas com deficiência, em fantasmas amorosos acidentados e em lugares improváveis, apesar de teoricamente possíveis. Só vendo, mesmo, para poder curtir. Ou rejeitar de vez, isso depende do gosto e das expectativas de cada um.

Se você não quiser se irritar ou se decepcionar, simplesmente deixe as expectativas de lado e se deixe levar por essa brincadeira cinematográfica surpreendente e divertida, com direito a mais um grande desempenho de Gérard Depardieu, um pequeno papel de Isabelle Adjani e todo um elenco que o transportará para um ambiente todo especial. Especial como? Não sei bem dizer, só sei que eu saí do cinema animado e aberto para o novo. O filme foi indicado ao Urso de Ouro no 60º Festival de Cinema de Berlim.

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