quinta-feira, 2 de junho de 2011

QUEBRANDO O TABU

Antonio Carlos Egypto


QUEBRANDO O TABU. Brasil, 2011. Direção: Fernando Grostein Andrade. Documentário, 74 min.

No governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil não avançou muito na abordagem da questão das drogas psicoativas. Tentou estabelecer uma visão mais realista na compreensão do problema das drogas, mas acabou atendendo à pressão proibicionista que vinha dos Estados Unidos, na linha da “guerra às drogas”, e ficou pelo meio do caminho.

Agora, na condição de ex-presidente, FHC avançou muito, coloca seu prestígio e sua respeitabilidade internacional procurando contribuir para mudar o paradigma nessa questão: combate o irrealismo de um mundo sem drogas, que nunca existiu, defende a política de redução de danos e considera a descriminalização e a legalização das drogas assuntos a serem pensados e debatidos com seriedade, na busca de alternativas mais eficazes no combate ao problema das drogas.

Como apontou em entrevista a Mônica Bérgamo para a Folha de São Paulo, publicada em 29/05/11, aproxima-se atualmente da posição do deputado federal Paulo Teixeira, líder do PT no Congresso Nacional. “Só quem é burro não muda de opinião diante de fatos novos. Eu não tinha consciência da gravidade e do que significava essa questão, naquela época, como tenho hoje”, diz Fernando Henrique.

Ele é a estrela e âncora do documentário “Quebrando o Tabu”, dirigido pelo jovem Fernando Grostein Andrade, de 30 anos de idade. Várias celebridades são entrevistadas para o filme: os ex-presidentes norte-americanos Bill Clinton e Jimmy Carter, ex-chefes de Estado da Colômbia, México, Suíça e Noruega, o astro mexicano Gael García Bernal, o médico Dráuzio Varella e o escritor Paulo Coelho, entre outros. Todos atestam a guerra perdida contra as drogas, em escala global.

Discute-se amplamente a ineficácia da política repressiva e de encarceramento dos usuários e dependentes de drogas e procuram-se conhecer alternativas pelo mundo. Porque, como diz o artista. ativista e escritor, Anthony Pappa, em frase que foi para o cartaz de divulgação do filme, “se não conseguimos controlar o uso de drogas num presídio de segurança máxima, como podemos controlar o uso numa sociedade livre?”.

Além do Brasil, focalizando sobretudo o Rio de Janeiro e o eterno problema do narcotráfico, outros sete países foram visitados: Estados Unidos, Portugal, Holanda. Colômbia, Suíça, França e Argentina.

O presidente norte-americano nos tempos de FHC era Bill Clinton. Assim como nosso ex-presidente, faz mea culpa do seu período e até revela ter um irmão viciado em cocaína. Outros ex-dirigentes mundiais também se deram conta de que está na hora de mudar. Parece que, na condição de ex, é mais fácil enxergar e propor alternativas do que executá-las quando no exercício do poder.

Será que foi o mundo que mudou tanto assim? Não creio. O colapso da política da “guerra às drogas” já estava bem delineado nos anos 1990. Projetos baseados na redução dos danos causados pelas drogas já eram amplamente difundidos na Europa e inclusive no Brasil. Por exemplo, a troca de seringas para usuários de drogas injetáveis, que reduz significativamente a contaminação pelo HIV, foi objeto de projetos pioneiros, como os da Universidade Federal da Bahia, tendo sido combatidos e proibidos. Desde então, porém, muitos trabalhos importantes vêm sendo desenvolvidos de forma consistente e continuada em nosso país, há mais de uma década. Causa espécie que o documentário “Quebrando o Tabu”, que adota essa linha de pensamento, tenha omitido qualquer trabalho brasileiro nesse sentido, dando espaço apenas ao que se faz na Europa.

Essa linha de ação não é nova, já foi suficientemente testada pelo mundo. É ótimo que Fernando Henrique a encampe, divulgue e busque mudanças junto à ONU, onde o poder norte-americano ainda parece insuperável. Mas não dá para ignorar o que já existe, o que já foi feito. Ou deixar o mérito só para o estrangeiro, como se o Brasil ainda estivesse lá para trás, o que não corresponde à realidade dos fatos. Por aqui, o que se enfatiza, no filme, é o tráfico, o descontrole, a falta de perspectiva, a disseminação da droga na cadeia. Ressalte-se que Dráuzio Varella explica que, em todas as cadeias do mundo, a droga circula.
cigarro de maconha
A prevenção foi abordada pelo documentário, sem destacar o papel fundamental de a escola desenvolver projetos pedagógicos. De qualquer modo, mostrou-se a importância do trabalho preventivo. E uma das mais lúcidas intervenções veio de Paulo Coelho, quando afirma: “Seja aberto, seja honesto. Diga isso: É, realmente, a droga é fantástica, você vai gostar. Mas, cuidado. Porque você não vai decidir mais nada. Basta isso. Basta isso”.

O conteúdo veiculado por “Quebrando o Tabu”, incluindo a conceituação apresentada por Fernando Henrique Cardoso, é muito correto e adequado. A divulgação dessa visão vem a propósito para a conquista de novos espaços políticos no mundo, visando à revisão dos velhos e superados conceitos do idealizado “Diga não às drogas”, que pressupõe a ideia de abstinência total e um mundo sem drogas. Só para quem acredita em Papai Noel! 

plantação de maconha
A forma apresentada pelo documentário, porém, não inova. São os tradicionais depoimentos, entrevistas, visitas e exposições de dados e conceitos direcionados para convencer o espectador, mostrar o caminho a seguir e buscar adesões. É, nesse sentido, um trabalho militante. O contraditório só aparece para mostrar seu anacronismo, em falas históricas, como as dos ex-presidentes dos Estados Unidos, Richard Nixon, que lançou há quarenta anos a política da “guerra às drogas”, Ronald Reagan e George Bush, que a endossaram e a ampliaram.

Estava, mesmo, na hora de uma cruzada (ops!) pela paz, em lugar da guerra, em busca de mais eficiência e de alguma racionalidade, para superar essa batida desgastada e ineficaz “guerra às drogas”. Outros filmes poderiam vir, contrapondo opiniões, múltiplas e diversas, aprofundando e democratizando a questão. Seria um avanço a mais. Para que os novos paradigmas possam alcançar representatividade e amplo apoio social.

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