segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Senna


Tatiana Babadobulos

Senna. Reino Unido, 2010. Direção: Asif Kapadia. Roteiro: Manish Pandey


Seria natural que a vida de Ayrton Senna virasse filme após a sua trágica morte, em Ímola, na Itália, em 1994. Só não se sabia, porém, como seria esse longa-metragem. A princípio, o ator espanhol Antonio Banderas teria sido escolhido para viver o herói brasileiro das pistas. Mas Viviane Senna, irmã de Ayrton, nunca encontrou um contrato dos estúdios hollywoodianos que lhe satisfizesse. Em 2006, porém, produtores ingleses a procuraram com uma nova proposta: transformar as imagens reais, captadas das pistas, dos bastidores e da vida íntima de Senna (os passeios de lancha e jet-ski pelos mares de Angra dos Reis, durante o Carnaval, e com as namoradas Adriane Yamin, Xuxa e Adriane Galisteu), em um filme. Contar uma história a partir de imagens, ou seja: cinema puro!

A ideia, portanto, seria fazer um documentário. Mas mais do que isso, uma “colcha de retalhos” que, costurada, daria origem ao produto final, com começo, meio e fim. Foi aí que entrou o roteirista (e fanático por Senna) Manish Pandey, que resolveu contar uma história linear sobre a vida de Ayrton, iniciando a partir do momento em que ele começou a correr na Fórmula 1, em 1984, no Grande Prêmio de Mônaco.

Ao contrário dos documentários tradicionais, "Senna" não utiliza depoimentos, mas narrações em off de pessoas que tiveram envolvimento diretamente na vida de Ayrton Senna. Uma pessoa muito importante, e que contribuiu com a história, foi o comentarista esportivo Reginaldo Leme.

Em entrevista coletiva realizada em São Paulo, Viviane Senna disse que fazer um filme de ficção sobre a vida de Senna não seria tão impactante. “A cena do Balestre, por exemplo, não seria tão forte”, comenta, citando uma das cenas nas quais há uma grande discussão, no Grande Prêmio do Japão, quando houve um problema do lado da pista em que o pole position largaria.

Embora seja tratado como documentário pelo fato de utilizar imagens reais, o longa poderia ser de ficção, uma vez que a construção é típica desse tipo de filme: a luta do bem contra o mal (Senna versus Prost), catarse, ascensão e queda do herói. Antonio Pinto (de “Cidade de Deus”), brasileiro responsável pela bela trilha sonora da fita, aumenta o coro. “O cara é um herói, precisa se superar, há os vilões... Vamos combinar que o Alain Prost parece o Darth Vader”, brinca, fazendo alusão ao malvado personagem de “Star Wars”.

Quem conheceu a trajetória de Ayrton Senna vai se emocionar com as imagens e a importância que ele teve no automobilismo de maneira geral, principalmente por sua superação a cada corrida. Na primeira, em Mônaco, ele competiu com grandes estrelas, como Keke Rosberg, Nigel Mansell, o bicampeão mundial austríaco Niki Lauda, Nelson Piquet e o homem chamado de “O Professor”, o francês Alain Prost, de quem se tornou companheiro de equipe, na McLaren, e com quem passou maus bocados.

Nessa mesma corrida ele largou na 13ª posição pela equipe Toleman e alcançou Prost na 32ª volta, embora não tenha ganhado a prova. Daí pra frente, ele começou a mostrar a que veio e o que se podia esperar de um piloto audacioso e corajoso como sempre foi.

Foi durante a temporada de 1990, no Japão, que, por conta da matemática do campeonato, Senna e Prost lutavam pela vitória. A partir de então os personagens de Senna e Prost são revelados.

Em 1991, ele venceu pela primeira vez em Interlagos e é emocionante vê-lo carregando a bandeira brasileira, a “música da vitória” e como foi duro chegar em primeiro lugar, sendo que nas última três voltas estava apenas com a sexta marcha.

Além de mostrar como era um “gênio” nas pistas, o longa reforça o lado espiritual e marcante de Senna. Algumas passagens mostram que ele rezava e, inclusive, admite ter visto Deus. No dia de sua morte, outro depoimento sublinha a ideia de que ele havia aberto a Bíblia antes da corrida e teria recebido uma mensagem divina.

No longa é possível conferir como eram os carros antes e depois, quando as equipes começaram a se valer de tecnologia de ponta para montar os seus carros e que, quando Senna começou, vencer uma corrida dependia muito mais da habilidade do piloto que propriamente de uma equipe competente e de um carro sensacional. Em uma passagem, ele diz que é muito complicado quando se entra na “war technologie”, ou seja, na guerra da tecnologia, pois é preciso ter um carro competitivo se quiser enfrentar.

E, quando chegou ao topo, a tecnologia nos carros mudou e os títulos de 1992 e 1993 foram para os carros da Williams-Renault, pilotados por Mansell e Prost. Em 1994, no entanto, com Prost e Mansell não mais correndo a F1, Senna assegurou um posto na Williams.

Ainda que o final desta história já seja conhecida, é inacreditável e inaceitável saber que, no fim de semana em que morreu, durante o treino classificatório, Rubens Barrichello bateu e se feriu. Um dia depois, o piloto austríaco Roland Ratzenberger morreu após bater no muro a 320km/h. O médico e seu amigo, Sid Watkins, o aconselhou a não correr no domingo e até Frank Williams tinha dúvidas se ele largaria naquela manhã. Mas Senna cumpriu seu trabalho com responsabilidade, ainda que curva Tamburello estivesse no meio do seu caminho.

“Senna” é um filme produzido para emocionar. Portanto, não queira sair intacto da sala de projeção após se render as imagens do diretor Asif Kapadia. Trata-se de um longa-metragem sensível, com imagens reais e, sobretudo, “chapa branca”, ou seja, mostram o herói Ayrton Senna, aquele que fazia milhares de brasileiros se levantarem nas manhãs de domingo prontos para ver mais uma vitória. Há, imagens, inclusive, que dão conta de mostrar a pobreza do país e que, após a sua morte, os brasileiros se sentiram órfãos e tristes por achar que não mais valeria a pena viver, uma vez que a alegria havia ido embora. Em Interlagos, imagens da pobreza, mas ao mesmo tempo a torcida gritando o seu nome, e a superação de vencer com apenas a sexta marcha. 

Um senão: imagens de Xuxa e Adriane Galisteu. Para o diretor, a ideia de incluí-las era para mostrar mulheres no filme e que os “relacionamentos fazem parte da história dele”. Embora tenha feito graça por conta do vestido que Xuxa usa e tenha se lembrado que já havia visto imagens impróprias da apresentadora, o diretor não respondeu se chegou a acompanhar os romances à época, uma vez que, pelo noticiário, Adriane não parecia ser bem-vinda à família Senna.

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