quarta-feira, 14 de outubro de 2009

O CAÇADOR





Antonio Carlos Egypto


O CAÇADOR (Chugyeogja). Coréia do Sul, 2008. Direção: Na Hong-jin. Com: Yun-seok Kim, Jung-woo Há, Yeong-hie Seo, In-gi Jung. 125 min.

Um cafetão que começa a ver algumas de suas meninas desaparecerem acredita que elas estejam sendo vendidas. Descobre um número de telefone celular de um “cliente” por onde elas passaram, especialmente a última, que ele espera encontrar: Min-jin. E começa uma caçada com direito a muita correria (física, mesmo) e brigas, na base do soco e pontapé. Um “serial killer” que se vale de martelo, formão e outras ferramentas primitivas para matar. Tudo soa muito antigo, na moderna cidade de Seul, com seus carrões e celulares. O crime e a violência, sem dúvida, remetem ao mais primitivo do humano, aquilo que escapa ao controle... de si mesmo. E o que dizer do ataque de protesto em pleno mercado ao prefeito da cidade? A reclamação era referente à falta d’água, se não me engano. O fato é que a agressão se dá jogando merda no prefeito. Isso mesmo. Tem jeito mais primitivo (e infantil, também) de se expressar politicamente? Mas como desmoraliza! Movimenta a cidade a tal ponto que o tal assassino em série passa totalmente a segundo plano.

Os elementos aqui apresentados já mostram que o diretor sulcoriano, Na Hong-jin, lida com ideias, de um lado, originais, de outro, ambíguas, contrastantes. Isso vai permear todo o filme. Até aquilo que parece banal mostra contornos diferentes. A polícia como sempre é inepta, desde os filmes policiais “noir” franceses e norte-americanos. Humphrey Bogart cansou de viver personagens que fazem dos policiais gato e sapato. Aqui, então, é pior ainda. Os policiais não têm moral, nem mesmo para impedir uma surra dada por um ex-colaborador em um suspeito, em plena delegacia. Se eles são frouxos, a lei é mais ainda, não se consegue manter preso um assassino confesso se as provas materiais não aparecerem.

Este conjunto de circunstâncias naturalmente leva à perigosa noção da justiça com as próprias mãos, também muito cultuada por um certo tipo de cinema policial que vemos por aí. Mas, felizmente, não é bem essa elegia que “O Caçador” adota. Tudo realmente escapa ao controle, a justiça à margem da lei também, o que é realista e verdadeiro. A interrelação entre as histórias, a construção dos personagens, o estilo retrô das ações, em contraste com o moderno da trama e da filmagem, dão um sabor todo especial a essa aventura cinematográfica asiática. Até as cenas de violência, crueldade e sangue têm como contraponto uma encantadora e inteligente criança, que faz as coisas acontecerem. A relação dos adultos com a menina e o que vai se desenvolvendo também revelam aspectos surpreendentes, crus, do relacionamento humano, a que nem as crianças podem escapar. Sinal dos tempos, em que tudo parece estar um tanto fora do lugar e provocar estranheza, onde ninguém está tranquilo e a felicidade parece uma utopia distante. Não dá mais para ser ingênuo, acreditar nas pessoas, viver de modo otimista. O mundo se deteriorou a tal ponto que parece não haver saída. Que triste, não? Menos mal que o cinema ainda consiga oferecer entretenimento inteligente às pessoas, tendo de encarar tudo isso.

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