terça-feira, 25 de agosto de 2009

O MILAGRE DE SANTA LUZIA


Antonio Carlos Egypto

O MILAGRE DE STA. LUZIA. Brasil, 2008. Direção e roteiro: Sérgio Roizenblit.
Documentário. 104 min.


“O Milagre de Sta. Luzia” não é um filme religioso, nem sobre a sociologia das religiões, mas uma viagem pelo Brasil que toca sanfona.

Como é que é? E que milagre é esse, então? É que no dia de Santa Luzia – 13 de dezembro – nasceu Luiz Gonzaga (1912-1989), cantor e compositor de inúmeros clássicos da música popular brasileira. Basta citar “Asa Branca”, em parceria com Humberto Teixeira, que todo mundo conhece e sabe cantar. Luiz Gonzaga, que recebeu a alcunha de “Rei do Baião”, foi um grande músico que difundiu e popularizou a sanfona pelo nordeste e por todo o Brasil, dando nova importância e dimensão ao instrumento.

Mas o filme também não é sobre Gonzagão (ele passou a ser conhecido assim depois que seu filho, também cantor e compositor, se tornou famoso, o Gonzaguinha (1945-1991). “O Milagre de Sta. Luzia” é, na verdade, sobre o legado de Luiz Gonzaga, representado aqui por Dominguinhos, seu afilhado e colaborador.

Dominguinhos é hoje o mais importante sanfoneiro brasileiro, também cantor e compositor de muitos sucessos, como “Eu só quero um xodó”, “De volta pro meu aconchego”, “Isso aqui está bom demais”, “Quem me levará sou eu” e “Lamento sertanejo”. É com Dominguinhos que essa viagem ao país da sanfona acontece, em sua tradicional caminhonete, em que ele costuma percorrer o Brasil, em sua vida de artista que não entra num avião há trinta anos.

Com Dominguinhos, o filme explora o nordeste que, por meio de Luiz Gonzaga, consagrou a música regional e a sanfona, busca contato com grandes músicos de Pernambuco, como Arlindo dos 8 Baixos, Camarão, Pinto do Acordeon, encontra um grupo de vaqueiros que lhe dedica versos improvisados e vai a João Pessoa, na Paraíba, para encontrar o grande Sivuca, um mês antes do seu falecimento. Resgata-se uma bela poesia do também finado e saudoso Patativa do Assaré e belas cenas da paisagem nordestina e do sertão enchem a tela de beleza, de um trabalho fotográfico impecável, ao qual se agregam movimento e agilidade.

Quando chega a vez do Pantanal matogrossense e seus grandes sanfoneiros, a paisagem fica ainda mais deslumbrante e movimentada. Destaque para o longo voo de duas araras azuis, acompanhado pelas câmeras até o seu pouso. E a música de Dino Rocha e Elias Filho destaca as diferenças do toque da sanfona do centro-oeste.

Chegam ao Rio Grande do Sul, de ricas tradições no toque peculiar da sanfona, ou melhor, a gaita, como ela é chamada por grandes músicos, como Renato Borghetti, Gilberto Monteiro, Bagre Fagundes e outros mais. E as paisagens verdejantes, cheias de gado gordo gaúchas, passam pela tela identificando Porto Alegre, Bagé e Santana do Livramento.

São Paulo também tem seu acordeon caipira e um dos maiores representantes do instrumento, o popularíssimo Mário Zan, aparece no filme, vindo a falecer pouco tempo depois. Campeão de vendas de discos, trilha musical obrigatória das festas juninas e autor de sucessos como “Festa na roça” e “Pula a fogueira”, contribui com sua presença para um resgate importante de figuras proeminentes da história da sanfona, que é um verdadeiro milagre que o filme realiza. Ao lado de Mário Zan, aparece Oswaldinho do Acordeon e há jovens que imprimem à sanfona um tom jazzístico, como Gabriel Levy e Toninho Ferraguti. As vias e edifícios que compõem a paisagem urbana paulistana também estão presentes.

Tudo isso é feito com uma montagem inteligente que dá permanente interesse e agilidade ao filme, muito bem conduzido por Sérgio Roizenblit. O diretor começou o trabalho que deu origem ao “Milagre de Sta. Luzia” ainda em 2001, para o projeto Memória Brasileira, de Myriam Taubkin, que incluía o “Brasil da Sanfona”, uma série de shows realizados pelo SESC/SP, que se transformou em DVD e tinha depoimentos de sanfoneiros e poetas. O êxito foi muito grande e daí surgiu a idéia de realizar esse longa-metragem, cujo resultado é digno do nosso entusiasmo e aplauso. Não só pelo resgate musical com a importância que ele tem, mas também porque ousa mostrar um Brasil cheio de beleza, felicidade e musicalidade, em diferentes regiões, que é uma verdadeira homenagem ao nosso país.

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