Livia Fusco
Depois de ter rodado seus últimos dois filmes em cenários semelhantes – favela Vila Parque da Cidade no filme: Santo Forte e nas favelas de Chapéu Mangueira e Babilônia no filme Babilônia 2000 – Eduardo Coutinho optou por um cenário distinto, um prédio classe media na Zona Sul carioca.
A sugestão do tema veio da escritora e amiga do diretor, Consuelo Lins, que acreditava que essa seria uma grande perspectiva de mudança de horizontes, saindo da favela e voltando-se para um universo tão distante do cinema de Coutinho e por que não dizer da produção de cinema documental no Brasil, já que as obras sobre a classe média nunca interessaram muito os documentaristas. Salvo raras exceções, como Opinião Publica (1966), de Arnaldo Jabor, que imprimiu no filme uma visão negativa da classe média.
No entanto, Coutinho visava algo bem diferente do filme de Jabor, ele queria ir além do “rótulo de classe média” e sim fazer um filme com “pessoas reais” e por isso o interesse em abordar moradores do mesmo prédio. Ele acreditava que dessa maneira o espectador teria como determinar ligações entre os moradores e as condições gerais da classe media brasileira, alem do que teriam uma grande chance de se identificarem.
Conseguir a autorização para as filmagens foi um dos grandes obstáculos, moradores e síndicos estavam receosos quanto ao trabalho que seria feito, após algumas tentativas - alem de ter tido o projeto enviado para um concurso do Itaú Cultural negado – João Moreira Salles se dispôs a produzir o novo documentário de Coutinho por intermédio da Videofilmes. Quase ao mesmo tempo Eliska Altmann – amiga do diretor – indicou um outro edifício em Copacanaba, por sorte Coutinho já havia morado lá por alguns meses na década de 60 e Eliska também tinha vivido ali por dois anos e havia saído á pouco tempo, mantendo assim uma relação amigável com o síndico Sérgio Carvalho.
O síndico aceitou a proposta, nos últimos anos ele vinha realizando uma reforma radical no prédio, o Edifício Master então deixara para atrás um passado repleto de historias subversivas para se tornar um prédio mais familiar. Sergio viu no filme uma maneira de divulgação do seu trabalho.
O processo de pesquisa durou 3 semanas ao todo, a equipe era formada de 5 pesquisadores – os mesmos de Babilônia 2000 – mas a Eliska, que seria de grande valor já que como havia vivido ali, conhecia todo o funcionamento do prédio – da mesma forma que Rosa professora ligada a pastoral e moradora de São João do Rio Peixe foi uma das “intermediadoras”, além de Coutinho no filme Peões, já no caso de Eliska sua participação seria atrás das câmeras.
O síndico e o porteiro também contribuíram com uma lista de moradores interessantes entre os 276 apartamentos, distribuídos em 12 andares, o que seria em torno de 500 pessoas.
Algumas pré-entrevistas foram feitas, porém a maior parte dos entrevistados foram muito reservados. Coutinho chega a falar sobre isso na faixa comentada do DVD: Edifício Máster, o quão grande á dificuldade para pessoas da classe média se desvincularem do “personagem” coisa que não se passa na favela.
Ao todo foram escolhidas 37 pessoas, usadas 3 câmeras: uma Mini DV que passou todo o tempo no lugar da câmera de vigilância na portaria do prédio, outra Mini DV que servia para fazer imagens dos corredores e também era usada como “câmera na mão” em algumas entrevistas, e a principal uma câmera 500 que filmava as “grandes falas” nas entrevistas.
Como de costume Coutinho não perguntava nas entrevistas nada sobre: política, fatos atuais ou movimentos sociais em geral, ele queria sim saber das experiências de vida daqueles “personagens”. Após alguns dias ficou claro que a pesquisa não captou tudo, muitos personagens se abriam diante de Coutinho e a câmera aparente, como foi o caso da entrevista com Daniela – uma das mais interessantes a meu ver – ela fica de perfil para a câmera e o diretor, por não se sentir muito segura, ao longo da entrevista ela fala de bipolaridade, recita poemas e acaba por se virar e olhar o diretor frente a frente.
Outra entrevista interessante foi a de Alessandra, garota de programa que me envolveu por parecer tão real diante da câmera, no entanto quase no fim da entrevista ela afirma ser uma espécie de “mentirosa compulsiva” e sendo assim brinca com um jogo de palavras dizendo o que é verdade e o que é mentira. Usando esse caso como base, Coutinho acredita que existe uma possibilidade de “auto mis em scene” ou uma “auto invenção” dos personagens diante da câmera, porém ele acredita que uma representação desse tipo não possa durar mais dos 15 minutos diante das lentes.
Uma das preocupações do diretor era que o filme ficasse com um formato muito parecido com os populares “reality shows”, por terem princípios básicos parecidos. O que ao ver o filme não me fez recordar nenhum desses programas, diferente deles Coutinho existe um sincronismo entre imagem e som perfeitos – Coutinho encara o som ambiente como neutro – nenhum plano invade o outro para sugerir algo, algumas entrevistas são “linkadas” por imagens da portaria, do corredor do prédio, algumas vezes por imagens das portas dos apartamentos se abrindo e a recepção das pessoas, ou imagens de alguns ambientes dos apartamentos colocadas em seqüência, pouca luz ou quase nenhuma, a câmera 500 no tripé ou uma das Mini dvs na mão, imagens da equipe invadem alguns planos, sem narração em off ou uso de inserts.
O filme segue e em alguns momentos ocorre uma troca de papeis, entrevistados questionam de alguma maneira o entrevistador – Coutinho – esse por sua vez tenta ser o mais neutro possível, no caso da entrevista com o camelo Roberto, entrevistador acaba por ficar “sem jeito” diante da pergunta sincera dele “O senhor quer me dar um emprego?”.
Surpresas são sempre bem vindas quando se trata da vida real, outra foi revelada na entrevista com Maria Pia, a empregada domestica espanhola que mostra seu pensamento reacionário em sua entrevista: “Não existe pobreza, isso é da cabeça das pessoas, é palhaçada, que pobreza que nada...”. Além do encontro com muitas pessoas com dons artísticos, como Dona Nadir que tinha o sonho de ser cantora e canta uma musica diante da câmera ou seu Henrique que ficou popular por cantar uma musica do Frank Sinatra.
Duas passagens que não fazem parte das entrevistas é a seqüência de janelas abertas filmadas em vários apartamentos, em outras palavras “o ver sem ser visto” pautadas na ideai do sociólogo alemão Georg Simmel. Outra foi na qual a “camera de vigilancia” capturou um garoto saindo do elevador e sua saga ao tentar ajudar um gato que ficou para fora de “sua casa”, o plano é longo,feito sem cortes, nem nenhum movimento de camera porém belíssimo.
O filme demorou 3 meses para ser editado, a ordem usada foi quase toda a cronologica das filmagens, salvo os dois relatos de suicidio que foram separados, os tres momentos musicais dos 4 que foram agrupados em uma sequencia – salvo a cantoria do nosso Frank Sinatra Tupiniquim que foi separada devido á dramaticidade, tudo feito por Jordana Berg que já havia feito Santo Forte com Coutinho, por isso já conhecia a maneira de trabalhar do diretor, o que facilitou o trabalho final.
O resultado final foge á questão da classe media que fica com certeza em segundo plano, algo maior une aqueles moradores de vidas e sonhos tão diferentes. De uma maneira ou de outra a solidão é um sentimento comum á aqueles que vivem naquele espaço comum, esse sentimento é o que fazem eles fazerem parte daquele todo que é o Edifício Master.
quinta-feira, 24 de abril de 2008
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