terça-feira, 1 de julho de 2025

HOT MILK

Antonio Carlos Egypto

 


HOT MILK (Hot Milk), Reino Unido, 2025.  Direção: Rebecca Lenkiewicz.  Elenco: Emma MacKey, Fiona Shaw, Vicky Krieps, Vincent Perez.  92 min.

 

Algumas pessoas produzem inconscientemente identidades que só se sustentam na dor e na doença.  A enfermidade é a condição da existência.  É uma característica psicossomática da doença, que pode produzir até sintomas físicos restritivos, paralisantes, sem que alguma condição orgânica pudesse justificá-los.

 

A personagem Rose (Fiona Shaw, em brilhante desempenho) apresenta esse tipo de atuação, uma estranha doença com direito a manipulação.  Uma forma de existir, mas também de controlar o comportamento e a vida da filha Sofia (Emma MacKey, também em ótimo desempenho).

 

Rose poderia andar, mas está presa a uma cadeira de rodas, dependendo em quase tudo de Sofia, que pauta toda sua existência para estar a serviço da mãe.  Permite-se apenas estudar, dedica-se a Antropologia.

 

Ambas partem para uma viagem a Almería, na costa espanhola, em busca do doutor Gomez (Vincent Perez), de quem se esperaria a cura dos problemas de Rose.  Ele é uma espécie de médico, psicólogo, curandeiro.  Isso não fica claro.  Mas sua ação remete a alguma forma de psicoterapia analítica.  Só que algo inteiramente fora do chamado set da análise.

 

Ele vai remexendo nos conteúdos emocionais da vida de Rose, mas no convívio normal, com a presença de outras pessoas, com sua própria filha, que é sua assistente, e com Sofia.  Ele vai eliminando os remédios que Rose usava e investigando caminhos do passado, traumas, situações reprimidas.  E conversando sobre a vida e o relacionamento de Rose e de Sofia, tentando ajudá-las a se reconhecerem e ressignificarem seu convívio, além de inquirir sobre os caminhos da individualidade de cada uma. O fato é que isso começa a mexer na ferida e a incomodar Rose, que se apega a sua condição de doente como defesa.  Um confronto se dará por aí.

 


Enquanto isso, na costa espanhola, Sofia se encanta com uma mulher misteriosa que chega a cavalo na praia em sua busca.  Um relacionamento se estabelece e isso estimula Sofia a tentar libertar-se do jugo materno, olhar para suas próprias necessidades e desejos.

 

A soma desses fatores produz uma narrativa que vai alterar as circunstâncias de vida das protagonistas da história, incrementar o conflito, o drama, a fantasia, e gerar impasses.

 

A proposta do filme dirigido por Rebecca Lenkiewicz, baseada em romance de Deborah Levy, é boa, instigante.  Mas não consegue explorar a fundo a questão que coloca.  De qualquer modo, propõe um tema para ser mostrado e debatido.  Levanta dúvidas, perguntas, questionamentos.  Tem sensibilidade para tratar da expressão emocional, contando com duas atrizes notáveis, que valorizam suas personagens, conferindo-lhes uma dimensão humana e tocante.

 

Por que o filme se chama “Hot Milk”? O leite quente pode ser entendido como uma espécie de cuidado, conforto, que é tudo o que Rose espera de sua filha Sofia que, por isso, se autolimita.  Será essa a ideia?  Fica aí a especulação.





sábado, 21 de junho de 2025

VERMIGLIO +

Antonio Carlos Egypto

 

Está chegando a 12ª. edição do 8½ Festa do Cinema Italiano.  De 26 de junho a 02 de julho de 2025, mais de 20 cidades brasileiras, incluindo quase todas as capitais, estarão exibindo os 11 filmes do Festival e celebrando o centenário de nascimento de Marcello Mastroianni, reexibindo cópias restauradas dos filmes de Fellini: “8½” e “A Doce Vida”, que ele protagonizou.

 

O principal destaque do Festival é o filme “Vermiglio”, que recebeu o Leão de Prata - Grande Prêmio do Júri em Veneza.

 

“Vermiglio” já foi exibido na 48ª. Mostra Internacional de São Paulo, quando escrevi o comentário abaixo. 

 

O site do Festival: https://festadocinemaitaliano.com.br

 


VERMIGLIO, dirigido por Maura Delpero, indicado pela Itália ao Oscar de Filme Internacional 2024, é uma joia fílmica que será certamente reconhecida pelo público. Trata de uma região rural, uma aldeia nos Alpes italianos, Vermiglio, em 1944, quando a Segunda Guerra Mundial caminhava para o seu final.  A região não chegara a ser atingida diretamente pela guerra, embora ela estivesse lá.  O filme mergulha nas relações familiares e na dinâmica da sociedade local com a chegada de um soldado desertor.  O que encanta no filme é seu clima acolhedor, afetivo, sua simplicidade aparente, os diálogos, gestos, atitudes.  Sua humanidade transbordante, enfim. Belas sequências e uma fotografia esplendorosa compõem a obra.  119 min.

 

 

PONTE NÓRDICA

 

De 24 a 29 de junho de 2025, acontece o Festival de Cinema PONTE NÓRDICA, no Centro Cultural São Paulo, rua Vergueiro, 1000.  Com filmes inéditos da Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, em sessões gratuitas.  Ingressos distribuídos a partir de uma hora antes de cada sessão, sujeitos à lotação da sala.  As sessões (5ª, 6ª, sábado e domingo) terão 3 filmes diferentes por dia, às 15:00, 17:00 e 19:00 h.  Haverá apenas uma sessão para cada filme. 

 

Em pré-estreia, no Espaço Petrobrás de Cinema, nesta 3ª., 24 de junho, o filme norueguês “Dreams” será exibido.  É o terceiro da trilogia “Sex, Love and Dreams”, dirigida por Dag Johan Haugerud. 

https://pontenordica.com.br

 

 

 

terça-feira, 17 de junho de 2025

SÍNDROME DA APATIA

Antonio Carlos Egypto

 


SÍNDROME DA APATIA (Quite Life).  Europa, 2024.  Direção: Alexandros Avranas.  Elenco: Gregory Dobrygin, Chulpan Khamatova, Naomi Lamp, Miroslava Pashutina.  99 min.

 

Se a realidade se apresenta insuportável para pessoas com poucos recursos psíquicos, seja pela imaturidade, seja pela incapacidade de lidar com a situação, o inconsciente pode produzir um apagamento, um rompimento com a realidade.  A pessoa pode entrar em coma, desligando-se do mundo.  É a isso que poderíamos chamar de síndrome da apatia, título dado ao filme do diretor grego Alexandros Avranas, que já nos deu o brilhante “Miss Violence” e recebeu o Leão de Prata no Festival de Veneza 2013. Em “Síndrome da Apatia”, ele e Stavros Pamballis constróem um roteiro ficcional inteiramente baseado numa realidade assustadora e a partir de histórias que se repetem. 

 

No caso específico do filme, trata-se de uma família russa, o casal Sergei (Gregory Dobrygin) e Natalia (Chulpan Khamatova) e duas filhas ainda crianças, Katia (Miroslava Pashutina) e a pré-adolescente Alina (Naomi Lamp), que partiram da Rússia em busca de segurança e para evitar novas agressões em seu país de origem.

 

Buscam asilo na Suécia, aguardando pela sua concessão, seguindo todas as exigências do país de destino, com as filhas adaptadas aos hábitos e inclusive ao idioma.  Entretanto, o visto lhes foi negado, levantando-se dúvidas em relação aos fatos narrados como motivos para o pedido de asilo.

 

Para Katia, foi demais.  Ela desmaia e entra em coma.  De outra maneira, isso também vai se dar com Alina, criando-se, então, uma situação mais do que dramática, trágica.

 


Como os pais lidarão com isso?  Como os serviços suecos lidam com essa síndrome, uma vez que ela já foi identificada em muitos casos por lá, além de outros países?  É por aí que o filme vai caminhar.  A questão migratória dos nossos dias alcança uma gravidade que produz doenças, disfunções de todos os tipos e questões sociais sérias e urgentes. 

 

Ao tratar da síndrome da apatia, Avranas explora a opressão que se esconde na burocracia inflexível e gélida que produz desumanidade e grandes equívocos.  A síndrome é a resultante disso tudo.  Inacreditável, mas também compreensível.  Um desafio a ser encarado, sobretudo pelo continente europeu.  Por sinal, o filme foi produzido por vários países da Europa: França, Alemanha Suécia, Grécia, Estônia e Finlândia, e é falado em russo, sueco e inglês.  Evidência de que o problema é amplo e disseminado, surpreendendo a todos pela extensão que vai assumindo.

 

O filme se vale de um ultrarrealismo, com interpretações sóbrias, contidas, emoções negadas, sufocadas, fotografia em cores pálidas, sobriedade também nos enquadramentos e movimentos de câmera.  Tudo muito enxuto para que se sobressaia o que interessa, a discussão séria do problema.  É um trabalho muito bem feito, competente.  E, além disso, fundamental, indispensável.





 

domingo, 8 de junho de 2025

EM CARTAZ

 

        Antonio Carlos Egypto

 

 


ERNEST COLE: ACHADOS E PERDIDOS (Ernest Cole: Lost and Found),  Estados Unidos, 2024, de Raoul Peck, de “Eu Não Sou Seu Negro” (2016) e “O Jovem Karl Marx” (2017), é um belíssimo documentário.  Aborda o trabalho do fotógrafo da África do Sul, Ernest Cole (1940-1990), que registrou de forma contundente e pela primeira vez os horrores do apartheid.  Consequentemente, amargou um exílio nos Estados Unidos e na Europa e continuou registrando em fotos magníficas a sociedade e, em especial, o racismo. Pelo tempo em que ele passou na Suécia é  redescoberto um vasto material fotográfico guardado surpreendentemente por anos num banco sueco. O filme é todo composto pelas esplêndidas fotos de Cole, as que já estavam em circulação e as que agora vieram à tona.  O cineasta Raoul Peck foi homenageado pela 48ª. Mostra com o Prêmio Humanidade. 106 min.


 


AINDA NÃO É AMANHÃ, Brasil, 2024, da diretora pernambucana Milena Times, focaliza na personagem Janaína (Mayara Santos) a inconveniência de uma gravidez na adolescência quando se está cursando o primeiro ano da Faculdade, com boas notas, que lhe permitem usufruir de uma bolsa parcial e uma função de monitoria remunerada. Sendo a possível solução pelo aborto, ilegal nesse caso, (não envolve as opções legais de risco de vida para a mãe, decorrência de estupro ou anencefalia do feto), ele só será possível com muito esforço e a solidariedade de outras mulheres que vivem ou viveram a mesma situação.  Ou ainda de ONG’s ou grupos de apoio que se solidarizem com o objetivo de obter mudanças na sociedade.  O silêncio e o medo prevalecem, mas saídas são possíveis a baixo risco.  O clima, então, desanuviaria, mostrando que o problema poderia ser muito menor se o tabu do aborto fosse discutido às claras.  O filme é lento e meticuloso ao mostrar a questão, evitando qualquer tipo de violência ou sensacionalismo.  Falha no ritmo e na descrição da personagem central, que não tem defeitos: nem esquecer de usar a camisinha com o parceiro ela esqueceu.  77 min.

 



JUNE E JOHN (June and John), França, 2025, com direção de Luc Besson, falado em inglês, com Matilda Price e Luke Stanton Eddy, é uma fantasia romântica que, apropriadamente, será lançada nos cinemas no dia dos Namorados.  Filmado com celulares, reflete a simplicidade da situação em que foi feito, em tempos de pandemia.  O que não impede que o filme tenha cenas bem realizadas, criativas.  O uso das cores associado às possibilidades e às aberturas dos personagens é bem interessante.  O exagero é muito explorado para trazer aventura e comédia ao improvável e imediato envolvimento amoroso do tedioso e aborrecido John com a exuberante maluca e sem limites June.  Como fantasia, vale, claro.  Mas é só diversão passageira e totalmente despretensiosa.  E à margem da lei, por suposto.  92 min.




 

terça-feira, 3 de junho de 2025

OH, CANADÁ

Antonio Carlos Egypto

 





Oh, Canadá (Oh, Canada), Estados Unidos, Canadá, 2024.  Direção: Paul Schrader.  Elenco: Richard Gere, Jacob Elordi, Uma Thurman, Michael Imperioli.  91 min.

 

“Oh, Canadá”, baseado no livro Foregone, de Russel Banks, aborda as memórias obscuras de um cineasta documentarista no fim de sua vida, já muito abalado fisicamente e envolto em dores.  Leonard Fife, o cineasta, decide gravar um depoimento a um ex-aluno, “contando tudo”, repassando sua vida e disposto a expor a sua verdade, da mesma forma que ele induzia as pessoas que ele filmava em seus documentários a que o fizessem.

 

À medida em que ele discorre sobre a sua história de vida e seu trabalho, ele vai expressando a ideia de que construiu sua reputação de artista com uma carreira progressista, com base em mentiras e meias verdades.  Sentindo-se uma fraude, como costuma acontecer com muita gente, quando se depara com suas contradições, fragilidades, manipulações, fracassos não revelados.

 

Fazia questão em ter sua companheira de muitos anos ao lado, acompanhando todo o depoimento, porque afirmava que nem mesmo ela sabia do que ele tinha para revelar.

 

Histórias, amores, contradições, fugas, dissimulação, são coisas que podem fazer parte da vida de um homem, nem por isso seus feitos precisam ser negados ou desqualificados.  Por exemplo, a ida ao Canadá, fixando-se por lá, tem origem na sua luta contra a guerra do Vietnã e a campanha pelo não alistamento. Também poderia significar uma fuga de tantas questões pessoais não resolvidas, mas, afinal, uma coisa não apaga a outra.

 


A narrativa que o filme desenvolve a partir dessa perspectiva documental em primeira pessoa, no limite da vida, tem valor humanitário, nos ajuda a compreender o humano em sua complexidade.  Como qualquer vida explorada a fundo.

 

Richard Gere vive o moribundo Leo, enquanto Jacob Elordi o encarna na juventude, onde os fatos principais se desenrolam.  Com uma peculiaridade, o filme coloca o ator idoso em cena com as mulheres e as pessoas dos seus 20 anos de idade, em várias sequências, alternando com o Leo jovem.  O que é um achado interessante: faz com que o Leo idoso viva/reviva as situações marcantes de sua vida de modo a reavaliá–las.  Ou mesmo relembrá–las.  E se coloque na distância do observador.

 

O elenco como um todo tem excelente atuação, com os matizes necessários de uma trama que, por definição, se situa nas bordas, nos limites das emoções e do que chamamos de verdade.  Nas certezas das incertezas, poderíamos dizer.

 

O veterano Paul Schrader é diretor de muitos filmes, como “Jardim dos Desejos”, 2022, “Cães Selvagens”, 2016, “Vingança ao Anoitecer”, 2014, e êxitos dos anos 1980, como “Gigolô Americano”, “A Marca da Pantera” e “Mishima”.  Roteirista destacado também de filmes de Martin Scorsese, como “Taxi Driver”, 1976, “Touro Indomável”, 1980, e “A Última Tentação de Cristo”, 1988.  “Oh, Canadá” é sua mais nova contribuição a um cinema que tem peso e valor artístico. 

 

 

O CINEMA BRASILEIRO E O RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

 

Os democratas, os cinéfilos e o público em geral vibraram com as vitórias de “Ainda Estou Aqui”, que premiou Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro e o filme de Walter Salles, que levou o Oscar de filme internacional.  Um sucesso que nos orgulha. 

 

“O Último Azul”, dirigido por Gabriel Mascaro, também brilhou no Festival de Berlim, conquistando o Urso de Prata, o segundo prêmio mais importante do evento.

 

Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura

Agora “O Agente Secreto”, dirigido por Kleber Mendonça Filho, que concorreu à Palma de Ouro em Cannes, levou dois prêmios importantíssimos, para Kleber, como diretor, e para Wagner Moura, como melhor ator.  E podem vir mais prêmios por aí.  Vamos aguardar.

 

Vale comemorar esse momento notável do nosso cinema, sendo reconhecido internacionalmente e alcançando boas bilheterias por aqui, para vários de seus títulos.

 



segunda-feira, 26 de maio de 2025

3 BRASILEIROS

Antonio Carlos Egypto




  3 OBÁS DE XANGÔ, vencedor do melhor documentário pelo público da 48.a Mostra de São Paulo, foi também o vencedor da categoria no Festival do Rio 2024.  O filme, dirigido por Sérgio Machado, recupera matérias gravadas dos três grandes criadores baianos: Jorge Amado, na literatura, Dorival Caymmi, na música, e Carybé, na pintura.  A amizade e as ideias deles tomam a tela e nos enchem de talento e beleza.  77 min.

 

 


MANAS, dirigido por Marianna Brennand, que levou o prêmio da crítica na 48.a Mostra SP para filme brasileiro, aborda casos de abuso sexual de meninas, em balsas, na ilha do Marajó, no Pará.  Inspirada em casos reais que foram relatados, Marianna construiu uma ficção vigorosa e feita com muita sutileza.  Nada é diretamente mostrado, tudo fica subentendido, sugerido.  Mas é tudo muito claro e a denúncia, muito importante.  No elenco, Jamielli Correa, Rômulo Braga, Fátima Macedo, Dira Paes.  101 min.

 

 


VIRGÍNIA E ADELAIDE, filme dirigido por Jorge Furtado e Yasmin Thayná, aborda o encontro histórico de duas mulheres que estão no início da psicanálise no Brasil.  Virgínia, mulher negra, vem a ser a primeira psicanalista do país.  Começou fazendo análise com Adelaide, psicanalista judia alemã, que veio para o Brasil, fugindo do nazismo.  Isso, no ano de 1937, quando começou a ditadura do Estado Novo getulista.  O filme é didático, ao contar a história delas, apresentando conceitos psicanalíticos aplicados às sessões vividas por elas. Destaque para a questão do preconceito racial, que marcou toda a vida de Virgínia.  No elenco: Gabriela Correa e Sophie Charlotte.  96 min.

 

 

sábado, 3 de maio de 2025

VOLVERÉIS

             Antonio Carlos Egypto

 




VOLVERÉIS, Espanha, 2024.  Direção: Jonás Trueba.  Elenco: Itsaso Arana, Vito Sanz, Fernando Trueba, Isabelle Stoffel.  114 min.

 

Ale (Itsaso Arana) e Alex (Vito Sanz) são um casal que vive junto há 15 anos.  Ela é cineasta, está realizando um filme que já está na fase de montagem.  Ele é ator e já atuou nos filmes dela.  Eles estão bem, mas decididos a se separar.  Sem maiores problemas.  Até que surge a insólita ideia de fazer uma festa para “comemorar” o término do relacionamento. O pai dela costumava dizer que as separações é que merecem ser comemoradas e não as uniões.  Eles parecem certos da decisão tomada, mas como os amigos e parentes irão reagir, incluindo o pai dela?  Acreditarão que eles estão mesmo satisfeitos com a separação?  E para eles próprios pode surgir uma dúvida?  Irão até o fim com essa festa?  O título do filme espanhol já põe em questão isso.  Volveréis?  Ambos?  Volverei. Um deles?  Volver, o movimento esperado.  Isso está contido no título.  Por aí caminha o filme de Jonás Trueba, premiado na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, que discute também se uma bela ideia como essa, além de engendrar um interessantíssimo roteiro de cinema, funcionaria tão bem na realidade. 




 

VOLVERÉIS é o filme de abertura da Mostra AMOR AO CINEMA que, pelo 3º. ano consecutivo, acontece no Cinesesc São Paulo, de 07 a 21 de maio de 2025, com 38 filmes exibidos na sala do cinema e 12, na plataforma Sesc Digital.

 

Essa Mostra destaca a linguagem cinematográfica, sua variedade e transformações ao longo do tempo.  Exibirá longas clássicos, além de novas produções que tenham o cinema como centro da narrativa.  Inclui filmes nacionais e estrangeiros sobre esse universo, seus realizadores, diretores conceituados, filmes que provocam ruptura. 

 

Promove ainda encontros, oficinas e cursos presenciais nesse período.  Prato cheio para os cinéfilos e para o público em geral, que se interesse por pensar o cinema.

 

AVISO: em função de uma viagem, deixarei de escrever e postar sobre os filmes, pelas próximas semanas.  Até a volta.

 

 

domingo, 27 de abril de 2025

HOMEM COM H

Antonio Carlos Egypto

 

Esmir Filho, Ney Matogrosso e Jesuita Barbosa

HOMEM COM H. Brasil, 2025.  Direção e roteiro: Esmir Filho.  Elenco: Jesuíta Barbosa, Bruno Montaleone, Júlio Reis, Caroline Abras, Rômulo Braga.  129 min.

 

Ney Matogrosso é um dos artistas mais criativos, versáteis e ousados que a cultura brasileira já produziu.  Excelente cantor, com um registro de voz único e surpreendente, acentuada capacidade interpretativa, talento de ator, grande dançarino e performer. Motivos não faltam para realizar um filme homenagem a ele, quando chega e supera os 80 anos de idade, ainda empolgando multidões nos palcos e contando com registros de gravações fonográficas esplêndidas, que sempre serão ouvidas.

 

Esmir

O diretor Esmir Filho em “Homem com H” tomou como rumo da narrativa o combate permanente de Ney contra o autoritarismo, começando pelo enfrentamento do pai, militar e opressor homofóbico.  E passando a enfrentar também as autoridades, os poderosos de plantão, os normatizadores de condutas.  Ney trilhou o caminho da liberdade, de quem ele era e de quem ele queria ser.  Isso ao longo de sua trajetória, desde a infância e a juventude.  E continua sendo assim.

 

O filme, enquanto trabalha essas questões, como não podia deixar de ser, nos enche de música.  São 17 músicas, ao longo dos 129 minutos de projeção.  Representativas, mas insuficientes para dar conta de uma carreira artística tão rica e recheada de êxitos e sucessos.  Os fracassos também aparecem. Em consequência do rompimento com os Secos e Molhados, por exemplo.

 

Grande trunfo de “Homem com H” é, sem dúvida, o seu protagonista.  Jesuíta Barbosa compõe um Ney Matogrosso com uma riqueza interpretativa, cheia de detalhes e sutilezas, tão bem integradas ao personagem que a gente vê um Ney jovem na tela, como se ele estivesse mesmo ali, rejuvenescido.  Ele aprendeu a ser Ney, nas atitudes, nos amores, na dança, no domínio do palco, explorando os trajes luminosos e extravagantes, e até mesmo no canto.  Calma lá, é claro que quem canta o tempo todo no filme é o verdadeiro Ney Matogrosso, mas Jesuíta vai cantando junto, não é uma simples dublagem.  Uma curiosidade: em duas músicas, pelo menos, não existem gravações.  Jesuíta cantou e sua voz foi coberta por Ney, após as filmagens.  Ou seja, Ney, nesse caso, dublou Jesuíta.  Como na cena do coral cantando Casinha Pequenina, em que a voz dele se acomoda à das mulheres e não à dos homens, pelo seu timbre e extensão.

 

Ney

Ney Matogrosso participou ativamente do filme, sem estrelá–lo.  No final, aparece num show realizado em 2024, que documentalmente se incorporou à ficção.  Ele conviveu com a equipe do filme, assistiu a algumas filmagens, deu informações, dicas, e deu plena liberdade para que contassem sua história sem qualquer restrição.  Mas quis saber os fatos que seriam contados, apenas para garantir que aquilo que está sendo mostrado teria mesmo acontecido.  Sua preocupação era com um bocado de mentiras que sempre falaram sobre ele e que podem ser encontradas na Internet até hoje.  Ney garante que o que está no filme de fato existiu.  A forma como foi mostrado e interpretado é outra coisa, porém, os fatos são reais.

 

 A questão da Aids como atestado de morte, chamada no início de “peste gay” e a tragédia que se abateu sobre o Brasil e o mundo, nos anos 1980 e 1990, aparece no filme, porque foi muito importante na vida de Ney.  Ele conviveu com Cazuza, que expôs a doença publicamente e morreu logo.  Ele também viu de perto a morte de seu outro companheiro sexual, Marco de Maria, de quem cuidou até o fim.  E sobreviveu imune a tudo isso, surpreendentemente, sem nunca entender porque foi “poupado”.

 

Fiel ao espírito libertário e subversivo do artista, o filme é bastante ousado nas cenas de sexo, nudez, na linguagem oral, nos comportamentos em geral.  Nos figurinos, nem se fale.  Impossível abordar a história e a carreira de Ney Matogrosso sem explorar seus trajes cênicos inovadores, maquiagem, roupas estranhas e provocadoras.  A fotografia é quente, bem colorida, reflete a exuberância do trabalho de Ney, até nos desenhos e ilustrações que ele fez desde pequeno.

 

A produção como um todo é grande, para os recursos do cinema brasileiro, principalmente considerando o diretor e roteirista paulistano Esmir Filho, que veio do cinema independente e autoral.  Entre seus trabalhos podemos citar “Os Famosos e os Duendes da Morte”, de 2009, “Verlust”, de 2020, e o badalado “Tapa na Pantera”, de 2006.

 

Com Jesuíta

“Homem com H” chega às salas de cinema num momento de crescimento de público para o cinema brasileiro, especialmente após a conquista do Oscar por “Ainda Estou Aqui”, que chegou a alcançar 6 milhões de espectadores.  E não parece ser um caso único.  “O Auto da Compadecida 2” também levou milhões de espectadores aos cinemas do Brasil.  Esse novo filme de Esmir Filho, estrelado por Jesuíta Barbosa, tem chance de alcançar sucesso também.  Tem o apelo da arte de Ney, é comunicativo e tem ritmo ágil.  Vamos ver o que acontece a partir de 1º. de maio, quando ele estreia.




quinta-feira, 24 de abril de 2025

12:12:O DIA e FRANCESA NA COREIA

         Antonio Carlos Egypto 



12:12:O DIA (12.12:The Day).  Coreia do Sul, 2024.  Direção: Kim Sung-soo.  Elenco: Hwang-jung-min, Jung Woo-sung, Lee Sung-min, Park-Hae-joon, Kim Sung-kyun.  141 min.

 

Um filme que trata de golpe de Estado é o coreano “12:12: O Dia”, que estava previsto para chegar aos cinemas brasileiros em janeiro, não aconteceu, já foi objeto de uma postagem aqui naquele período, e agora finalmente chega às telonas. Portanto, reproduzo aqui o comentário que eu já havia postado anteriormente. É um filme que merece atenção, representou a Coreia do Sul no Oscar de filme internacional.

 

O dia 12 de dezembro de 1979 ficou marcado como aquele que deu início a um golpe militar, após muitos confrontos internos nas Forças Armadas e acabou pondo fim a uma “primavera” coreana, uma situação em que a abertura política e uma visão mais aberta e liberal do poder sucumbiu à força das armas.  Isso iria mudar ao longo dos anos 1980, mas o momento relatado no filme foi aquele que pôs em confronto as forças do Comandante Chum-Doo-gwang com as forças de resistência do Comandante Lee-Tae-shin, após o assassinato do presidente Park e da decretação da lei marcial.

 

O impressionante desse filme, dirigido por Kim-Sung-soo, é que ele reconstrói, passo a passo, com alguns elementos ficcionais, os eventos de ação e reação dentro das Forças Armadas que foram ocorrendo até a consumação do golpe de Estado.  Vemos as forças em ação, avanços e recuos, a incerteza de cada decisão, de lado a lado, os dilemas morais e os confrontos pessoais, no meio das ações políticas e, principalmente, das  militares.

 

Acaba sendo um belo filme de ação, que se vale do substrato de uma realidade política, que deixa muito claro que a democracia só sobrevive se for defendida e, ainda assim, qualquer percalço pode colocá-la em risco.

 

“12:12: O Dia” foi o filme de maior sucesso de público na Coreia do Sul no ano passado e chega em hora decisiva e oportuna, nos momentos em que, em dezembro de 2024, o presidente Yoon Suk-yeol tentou um golpe, ao declarar lei marcial, fechar o Parlamento e restringir a liberdade de imprensa.  Acabou sofrendo impeachment e foi preso.  Ou seja, a história se repete a todo instante.  Às vezes com sucesso, às vezes, sem.  É preciso estar atento, por isso filmes como esse são importantes de serem vistos e comentados.

  




Ainda está em cartaz nos cinemas um outro filme da Coreia do Sul, que prima pela simplicidade e pelo minimalismo.  É “As Aventuras de Uma Francesa na Coreia” (Yeohaengjaui Pilyo).  A direção e o roteiro são do já bastante conhecido do público cinéfilo Hong-Sang soo.  No elenco, Isabelle Hupert faz a francesa e interage com Hye-Yang lee e Hae-Hio kwon, entre outros.  Ali, uma vez mais, no cinema desse cineasta, o que está em questão é o relacionamento humano, o diálogo que se dá em volta da mesa com bebida e comida e as necessidades humanas das pessoas com alguma vulnerabilidade.  E também as saídas que as pessoas encontram para driblar os problemas, sejam eles de ordem econômica ou psicológica. Aqui, nesse cinema de encontros destaca-se o makgeolli, um vinho de arroz típico da Coreia que encanta a francesa e impulsiona as conversas.  Acaba levando a respostas que, tanto expõem os preconceitos, quanto acentuam os mistérios da situação mostrada.  90 min.