Antonio Carlos Egypto
GUARDE O CORAÇÃO NA PALMA DA MÃO E CAMINHE. França/Palestina/Irã, 2025. Direção: Sepideh Farsi. Documentário com Fatma Hassona. 112 min.
A gente vê as imagens das reportagens televisivas sobre os bombardeios e
a destruição que está acontecendo na Faixa de Gaza e uma guerra desse tamanho
se torna incompreensível. Não há reação
à ação terrorista do Hamas que explique, muito menos justifique, crimes de
guerra e a atuação genocida por parte do governo de Israel contra o povo
palestino. Como é possível viver num
local onde todas as casas vão sendo destruídas, os edifícios, escolas,
hospitais, tudo se transforma em ruínas?
A morte iminente por ação de mísseis, por deslocamentos forçados ou pela
fome.
Tentando registrar o que é isso na realidade, a cineasta iraniana Sepideh
Farsi se conectou por contatos digitais em vídeo com uma fotojornalista
palestina de 24 anos de idade, Fatma Hassona, que continuava em Gaza com a
família que lhe restou, após perder 13 pessoas queridas entre familiares e
amigos. Os encontros digitais marcados
pela instabilidade da Internet e dos diferentes locais onde Fatma se
encontrava, no entanto, duraram 200 dias, de maio de 2024 a 16 de abril de
2025, quando Fatma morreu em sua casa bombardeada, dando um fecho trágico ao
trabalho.
As conversas realizadas nesse período foram gravadas por Sepideh Farsi e
associadas às imagens do bairro de Gaza, realizadas pela fotojornalista, em sua
“prisão” a céu aberto, compõem o filme.
É impressionante e emocionante acompanhar a jovem palestina, com seu
sorriso radiante a princípio, mesmo naquela situação absurdamente inumana e
perigosíssima.
Quando a gente se debruça sobre a situação civil dessas guerras e olha
para a população, a coisa muda totalmente de figura. E o mal se revela em toda a intensidade. Assim como o absurdo de qualquer guerra. O documentário “Guarde o Coração...”, que
entra em cartaz nos cinemas agora e está indicado ao The Gothams Awards, depois de ser exibido em Cannes, e talvez seja
indicado ao Oscar de documentários, merece ser visto, porque é realidade na
veia.
Poema de Fatma Hassona: O HOMEM QUE
VESTIA SEUS OLHOS
Talvez eu esteja anunciando a minha morte
agora
Antes que a pessoa a minha frente carregue
Seu fuzil de elite
E tudo acabe
E eu termine. Silêncio.
“Você é um peixe?”
Não respondi quando o mar me perguntou
Não sabia de onde vieram os corvos
Que avançaram sobre minha carne.
Teria parecido lógico?
__Se eu dissesse: Sim,
Deixe esses corvos avançarem
no fim
Sobre um peixe!
Ela atravessou
E eu não atravessei.
Minha morte me atravessou
E uma bala afiada de atirador
Fez de mim um anjo
Por uma cidade
Imensa.
Maior que meus sonhos
Maior que esta cidade.
QUEM AINDA ESTÁ VIVO
Outro filme que não está disponível no momento, mas que vi na Mostra 49,
sem conseguir escrever a tempo sobre ele durante o período da Mostra, é “Quem
Ainda Está Vivo” (Qui Vit Encore) de
Nicolas Wadimoff, produção Suíça, França, Palestina, 2025. O documentário conversa com 9 refugiados
palestinos, que perderam tudo, mas escaparam do inferno de Gaza, chegando ao
Egito, e que contam suas histórias. Aí
se destaca a perda de uma vida simples, de trabalho, num local bonito, à
beira-mar, sem que nada justificasse o desmoronamento de vidas civis
absolutamente normais, ainda que numa região reconhecida por seus conflitos
políticos. Se vier a ser novamente
exibido, lançado nos cinemas ou em streaming, procure ver. 115 minutos.


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