domingo, 23 de novembro de 2025

GUARDE O CORAÇÃO...

Antonio Carlos Egypto

 


GUARDE O CORAÇÃO NA PALMA DA MÃO E CAMINHE.  França/Palestina/Irã, 2025.  Direção: Sepideh Farsi.  Documentário com Fatma Hassona.  112 min.

 

A gente vê as imagens das reportagens televisivas sobre os bombardeios e a destruição que está acontecendo na Faixa de Gaza e uma guerra desse tamanho se torna incompreensível.  Não há reação à ação terrorista do Hamas que explique, muito menos justifique, crimes de guerra e a atuação genocida por parte do governo de Israel contra o povo palestino.  Como é possível viver num local onde todas as casas vão sendo destruídas, os edifícios, escolas, hospitais, tudo se transforma em ruínas?  A morte iminente por ação de mísseis, por deslocamentos forçados ou pela fome.

 

Tentando registrar o que é isso na realidade, a cineasta iraniana Sepideh Farsi se conectou por contatos digitais em vídeo com uma fotojornalista palestina de 24 anos de idade, Fatma Hassona, que continuava em Gaza com a família que lhe restou, após perder 13 pessoas queridas entre familiares e amigos.  Os encontros digitais marcados pela instabilidade da Internet e dos diferentes locais onde Fatma se encontrava, no entanto, duraram 200 dias, de maio de 2024 a 16 de abril de 2025, quando Fatma morreu em sua casa bombardeada, dando um fecho trágico ao trabalho. 

 

As conversas realizadas nesse período foram gravadas por Sepideh Farsi e associadas às imagens do bairro de Gaza, realizadas pela fotojornalista, em sua “prisão” a céu aberto, compõem o filme.  É impressionante e emocionante acompanhar a jovem palestina, com seu sorriso radiante a princípio, mesmo naquela situação absurdamente inumana e perigosíssima.

Quando a gente se debruça sobre a situação civil dessas guerras e olha para a população, a coisa muda totalmente de figura.  E o mal se revela em toda a intensidade.  Assim como o absurdo de qualquer guerra.  O documentário “Guarde o Coração...”, que entra em cartaz nos cinemas agora e está indicado ao The Gothams Awards, depois de ser exibido em Cannes, e talvez seja indicado ao Oscar de documentários, merece ser visto, porque é realidade na veia. 

 

Poema de Fatma Hassona: O HOMEM QUE VESTIA SEUS OLHOS

Talvez eu esteja anunciando a minha morte

agora

Antes que a pessoa a minha frente carregue

Seu fuzil de elite

E tudo acabe

E eu termine. Silêncio.

 

“Você é um peixe?”

Não respondi quando o mar me perguntou

Não sabia de onde vieram os corvos

Que avançaram sobre minha carne.

Teria parecido lógico?

__Se eu dissesse: Sim,

Deixe esses corvos avançarem

no fim

Sobre um peixe!

Ela atravessou

E eu não atravessei.

Minha morte me atravessou

E uma bala afiada de atirador

Fez de mim um anjo

Por uma cidade

Imensa.

Maior que meus sonhos

Maior que esta cidade.

 

                                            QUEM AINDA ESTÁ VIVO    



Outro filme que não está disponível no momento, mas que vi na Mostra 49, sem conseguir escrever a tempo sobre ele durante o período da Mostra, é “Quem Ainda Está Vivo” (Qui Vit Encore) de Nicolas Wadimoff, produção Suíça, França, Palestina, 2025.  O documentário conversa com 9 refugiados palestinos, que perderam tudo, mas escaparam do inferno de Gaza, chegando ao Egito, e que contam suas histórias.  Aí se destaca a perda de uma vida simples, de trabalho, num local bonito, à beira-mar, sem que nada justificasse o desmoronamento de vidas civis absolutamente normais, ainda que numa região reconhecida por seus conflitos políticos.  Se vier a ser novamente exibido, lançado nos cinemas ou em streaming, procure ver.  115 minutos.




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