Antonio Carlos Egypto
O ÚLTIMO AZUL. Brasil, 2025. Direção: Gabriel Mascaro. Elenco: Denise Weinberg, Rodrigo Santoro,
Miriam Socarrás, Adanilo. 86 min.
“O Último Azul” conquistou o Grande Prêmio do Júri do Festival de Berlim
2025, trouxe para o Brasil o cobiçado Urso de Prata da competição. O filme é dirigido pelo cineasta pernambucano
Gabriel Mascaro, que já nos deu “Ventos de Agosto”, 2014, “Boi Neon”, 2015, e
“Divino Amor”, 2018. Todos esses
trabalhos tratam de temas sociais relevantes, envolvem provocações, implicam
reflexão e nos remetem também ao elemento fantástico e ao imponderável.
Tudo isso está presente e com maior sofisticação do que nos filmes
anteriores em “O Último Azul”. Aqui, o
tema é o etarismo, ou seja, o preconceito e a discriminação contra pessoas
idosas.
Numa suposta sociedade brasileira distópica, na região amazônica, o
governo autoritário instalado “premia” as pessoas por idade, com medalhas e
condecorações. Estabelece que elas têm
de parar de trabalhar ao alcançar 75 anos e se retirar para um local distante,
supostamente protegido e bem cuidado. Decreta-se, no entanto, o fim da
cidadania. Além de ter de parar de
trabalhar, todas as decisões sobre a própria vida o idoso ou idosa só poderá
tomar com consentimento do filho ou filha estabelecido como responsável. É a morte civil, enfeitada de proteção, com
vistas a deixar todo o terreno produtivo ao alcance dos jovens. Se for preciso, o veículo catavelho se encarregará de efetuar a
mudança.
A personagem que nos levará a esse mundo (futuro?) é Tereza,
brilhantemente interpretada por Denise Weinberg. Ela aos 77 anos segue trabalhando, produtiva
e dona do seu nariz, mas terá de enfrentar esse processo todo de
apagamento. Naturalmente, ela resistirá
como puder, embarcando sem planejamento em uma aventura altamente
transformadora e inusitada.
Só queria viajar de avião, o que nunca havia feito, mas, em virtude da
não-autorização da filha, acaba embarcando numa jornada de barco pela natureza,
ciceroneada por Cadu (Rodrigo Santoro) e encontra o caracol de líquido azul
capaz de produzir mudanças viscerais na vida e no comportamento das pessoas. O imprevisível se estabelece e se desdobra na
jornada ainda mais improvável pelo barco conduzido por Roberta (Miriam
Socarrás), que aprendeu a viver nele uma nova vida de idosa, muito ativa.
Um local onde se pode ganhar ou perder muito dinheiro, um desafiador
“cassino”, que promove luta entre belos peixinhos branco e vermelho que se
precisaria intuir no que vai dar, oferece a oportunidade (mais uma) de explorar
a beleza plástica dos rios, da natureza, da flora e da fauna. A fotografia é
deslumbrante. O filme é uma experiência estética muito gratificante. Quem cultiva a beleza não deixará de
reconhecer isso. E toda essa aventura
estetizada, afinal, está a serviço da discussão sobre a velhice, o modo como se
está no período idoso da vida, o que move as pessoas nesse momento, formas
transformadoras de entender e interagir com o mundo.
Utilizando o elemento da fantasia, do imponderável, do inusitado, do
surpreendente, “O Último Azul” faz sua provocação abrindo horizontes que o
simples realismo teria muito mais dificuldade para oferecer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário