quinta-feira, 21 de agosto de 2025

O ÚLTIMO AZUL

Antonio Carlos Egypto

 


O ÚLTIMO AZUL.  Brasil, 2025.  Direção: Gabriel Mascaro.  Elenco: Denise Weinberg, Rodrigo Santoro, Miriam Socarrás, Adanilo.  86 min.

 

“O Último Azul” conquistou o Grande Prêmio do Júri do Festival de Berlim 2025, trouxe para o Brasil o cobiçado Urso de Prata da competição.  O filme é dirigido pelo cineasta pernambucano Gabriel Mascaro, que já nos deu “Ventos de Agosto”, 2014, “Boi Neon”, 2015, e “Divino Amor”, 2018.  Todos esses trabalhos tratam de temas sociais relevantes, envolvem provocações, implicam reflexão e nos remetem também ao elemento fantástico e ao imponderável.

 

Tudo isso está presente e com maior sofisticação do que nos filmes anteriores em “O Último Azul”.  Aqui, o tema é o etarismo, ou seja, o preconceito e a discriminação contra pessoas idosas. 

 

Numa suposta sociedade brasileira distópica, na região amazônica, o governo autoritário instalado “premia” as pessoas por idade, com medalhas e condecorações.  Estabelece que elas têm de parar de trabalhar ao alcançar 75 anos e se retirar para um local distante, supostamente protegido e bem cuidado. Decreta-se, no entanto, o fim da cidadania.  Além de ter de parar de trabalhar, todas as decisões sobre a própria vida o idoso ou idosa só poderá tomar com consentimento do filho ou filha estabelecido como responsável.  É a morte civil, enfeitada de proteção, com vistas a deixar todo o terreno produtivo ao alcance dos jovens.  Se for preciso, o veículo catavelho se encarregará de efetuar a mudança.

 

A personagem que nos levará a esse mundo (futuro?) é Tereza, brilhantemente interpretada por Denise Weinberg.  Ela aos 77 anos segue trabalhando, produtiva e dona do seu nariz, mas terá de enfrentar esse processo todo de apagamento.  Naturalmente, ela resistirá como puder, embarcando sem planejamento em uma aventura altamente transformadora e inusitada. 

 


Só queria viajar de avião, o que nunca havia feito, mas, em virtude da não-autorização da filha, acaba embarcando numa jornada de barco pela natureza, ciceroneada por Cadu (Rodrigo Santoro) e encontra o caracol de líquido azul capaz de produzir mudanças viscerais na vida e no comportamento das pessoas.  O imprevisível se estabelece e se desdobra na jornada ainda mais improvável pelo barco conduzido por Roberta (Miriam Socarrás), que aprendeu a viver nele uma nova vida de idosa, muito ativa.

 

Um local onde se pode ganhar ou perder muito dinheiro, um desafiador “cassino”, que promove luta entre belos peixinhos branco e vermelho que se precisaria intuir no que vai dar, oferece a oportunidade (mais uma) de explorar a beleza plástica dos rios, da natureza, da flora e da fauna. A fotografia é deslumbrante. O filme é uma experiência estética muito gratificante.  Quem cultiva a beleza não deixará de reconhecer isso.  E toda essa aventura estetizada, afinal, está a serviço da discussão sobre a velhice, o modo como se está no período idoso da vida, o que move as pessoas nesse momento, formas transformadoras de entender e interagir com o mundo.

 

Utilizando o elemento da fantasia, do imponderável, do inusitado, do surpreendente, “O Último Azul” faz sua provocação abrindo horizontes que o simples realismo teria muito mais dificuldade para oferecer.




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