Antonio Carlos Egypto
“AINDA ESTOU
AQUI”, o filme de Walter Salles, faz história, quando conquista o primeiro
Oscar para o cinema brasileiro, o de melhor filme internacional. E o primeiro Oscar a gente nunca esquece, ou
esquecerá. Mais duas indicações ao
Oscar: festejamos o de melhor atriz para Fernanda Torres e a inédita indicação
entre os 10 melhores filmes do ano.
Antes disso, Fernanda Torres já tinha abocanhado o Globo de Ouro e o
filme já teve cerca de 40 prêmios nos festivais mundo afora. Lembrar que tudo começou no Festival de Veneza,
uma consagração para o roteiro do filme e 10 minutos de aplausos efusivos (ou
seriam 14 minutos, como diz a Fernandinha num comercial?).
Bem, o fato
é que o filme encantou todo mundo, a começar pelo povo brasileiro, que se
emocionou: riu, chorou, aplaudiu nas sessões de cinema, festejou nas ruas em
pleno Carnaval e torceu pelo Oscar como se fosse uma final de Copa do Mundo
disputada pelo Brasil. O maior prêmio
foi a afluência aos cinemas: mais de 5 milhões de pessoas viram o filme nas
telonas, em todo o Brasil. O sucesso de
“Ainda Estou Aqui”, no entanto, é realmente amplo e internacional. Já conquistou grandes plateias nas Américas e
Europa, o reconhecimento da crítica e uma mensagem de liberdade e resiliência
frente ao autoritarismo, representada pela figura de Eunice Paiva, símbolo da
democracia, dos direitos humanos e da diversidade.
Um filme
nunca é só um filme. Ele reflete o seu
tempo, reflete o momento, dialoga com a realidade, ainda que de modo
fantástico. Pode falar do passado, de um
passado que não foi elaborado, superado.
De um passado que assombra e alimenta o presente. De um passado que ameaça voltar, na forma de
farsa ou não, mas ameaça. De um passado
tenebroso, que também se mostra no presente e precisa ser vencido.
“Ainda Estou
Aqui” é uma pérola de concepção cinematográfica. Exala verdade, sem se valer de artifícios,
mostra o que foi, o que é, como lidar com a opressão, o desrespeito aos mais
comezinhos valores civilizatórios.
Sequestro, prisão clandestina, tortura, morte, desaparecimento do corpo
(ocultação de cadáver), ausência de informações, não-reconhecimento do
assassinato por décadas, inviabilizando a existência civil do cidadão. São tão graves esses crimes perpetrados pelo
Estado durante a ditadura militar que um filme que trate disso pode se tornar
algo intragável. Absolutamente, não é o
caso de “Ainda Estou Aqui”. Pela via da
pessoa de Eunice é a família que vive tudo isso no seu dia-a-dia, tentando
sobreviver. E com dignidade.
A tentativa de destruição de uma família e o modo como ela subsiste, ainda que perdendo seu vigor e alegria em algum nível, mas ainda assim sorrindo e acreditando que a vida vale a pena, é um trunfo narrativo do filme de Walter Salles, brilhantemente protagonizado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro. Um filme que, mesmo com essa temática triste, consegue ter luminosidade, amor, humor. É mesmo um filme excepcional, que até já provocou mudanças na sociedade brasileira, na política e nas leis. O país não será mais o mesmo depois desse filme emblemático e monumental em sua aparente simplicidade. O cinema brasileiro deu um passo gigantesco para o seu reconhecimento internacional. Que já está acontecendo, no Oscar ou fora dele. Viva nosso cinema!
Vivaaa!
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