terça-feira, 4 de março de 2025

O OSCAR DO BRASIL

 Antonio Carlos Egypto




                                   

“AINDA ESTOU AQUI”, o filme de Walter Salles, faz história, quando conquista o primeiro Oscar para o cinema brasileiro, o de melhor filme internacional.  E o primeiro Oscar a gente nunca esquece, ou esquecerá.  Mais duas indicações ao Oscar: festejamos o de melhor atriz para Fernanda Torres e a inédita indicação entre os 10 melhores filmes do ano.  Antes disso, Fernanda Torres já tinha abocanhado o Globo de Ouro e o filme já teve cerca de 40 prêmios nos festivais mundo afora.  Lembrar que tudo começou no Festival de Veneza, uma consagração para o roteiro do filme e 10 minutos de aplausos efusivos (ou seriam 14 minutos, como diz a Fernandinha num comercial?).

 

Bem, o fato é que o filme encantou todo mundo, a começar pelo povo brasileiro, que se emocionou: riu, chorou, aplaudiu nas sessões de cinema, festejou nas ruas em pleno Carnaval e torceu pelo Oscar como se fosse uma final de Copa do Mundo disputada pelo Brasil.  O maior prêmio foi a afluência aos cinemas: mais de 5 milhões de pessoas viram o filme nas telonas, em todo o Brasil.  O sucesso de “Ainda Estou Aqui”, no entanto, é realmente amplo e internacional.  Já conquistou grandes plateias nas Américas e Europa, o reconhecimento da crítica e uma mensagem de liberdade e resiliência frente ao autoritarismo, representada pela figura de Eunice Paiva, símbolo da democracia, dos direitos humanos e da diversidade.

 

Um filme nunca é só um filme.  Ele reflete o seu tempo, reflete o momento, dialoga com a realidade, ainda que de modo fantástico.  Pode falar do passado, de um passado que não foi elaborado, superado.  De um passado que assombra e alimenta o presente.  De um passado que ameaça voltar, na forma de farsa ou não, mas ameaça.  De um passado tenebroso, que também se mostra no presente e precisa ser vencido.

 


“Ainda Estou Aqui” é uma pérola de concepção cinematográfica.  Exala verdade, sem se valer de artifícios, mostra o que foi, o que é, como lidar com a opressão, o desrespeito aos mais comezinhos valores civilizatórios.  Sequestro, prisão clandestina, tortura, morte, desaparecimento do corpo (ocultação de cadáver), ausência de informações, não-reconhecimento do assassinato por décadas, inviabilizando a existência civil do cidadão.  São tão graves esses crimes perpetrados pelo Estado durante a ditadura militar que um filme que trate disso pode se tornar algo intragável.  Absolutamente, não é o caso de “Ainda Estou Aqui”.  Pela via da pessoa de Eunice é a família que vive tudo isso no seu dia-a-dia, tentando sobreviver.  E com dignidade.

 

A tentativa de destruição de uma família e o modo como ela subsiste, ainda que perdendo seu vigor e alegria em algum nível, mas ainda assim sorrindo e acreditando que a vida vale a pena, é um trunfo narrativo do filme de Walter Salles, brilhantemente protagonizado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro.  Um filme que, mesmo com essa temática triste, consegue ter luminosidade, amor, humor.  É mesmo um filme excepcional, que até já provocou mudanças na sociedade brasileira, na política e nas leis.  O país não será mais o mesmo depois desse filme emblemático e monumental em sua aparente simplicidade.  O cinema brasileiro deu um passo gigantesco para o seu reconhecimento internacional.  Que já está acontecendo, no Oscar ou fora dele.  Viva nosso cinema!   



     

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