quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

ENCONTRO COM O DITADOR

Antonio Carlos Egypto

 


ENCONTRO COM O DITADOR (Rendez-vous Avec Pol Pot).  Camboja/França, 2024.  Direção: Rithy Panh.  Elenco: Irène Jacob, Grégoire Colin, Cyril Guei, Bunhok Lim, Somaline Mao.  110 min.

 

Um dos grandes cineastas da atualidade é Rithy Panh, do Camboja.  Seu trabalho mexe na ferida que insiste em ficar escondida: a do genocídio promovido pelo ditador Pol Pot, de 1975 a 1979, em nome de um regime supostamente comunista, do Khmer Vermelho, capitaneado pelo partido Angkar.  Nele, a opressão e a fome eram a regra e quem ousasse discordar era simplesmente severamente punido ou eliminado.  Dois milhões de pessoas morreram nesse período.

 

O Kampuchea Democrático, como era chamado o Camboja, enfrentava uma guerra contra os inimigos vietnamitas e isso justificava tudo o que o regime realizava de opressão.

 

O filme “Encontro com o Ditador”, baseado no livro When the War Was Over, de Elizabeth Becker, relata um evento real.  Qual seja, uma visita de três jornalistas franceses a Phnom Penh, a convite do regime, para conhecer suas virtudes e entrevistar Pol Pot.

 

Lise (Irène Jacob) era uma jornalista familiarizada com o país, que tinha gente conhecida lá, que andava desaparecida e ela pretendia reencontrar.  Alain (Grégoire Colin), um intelectual que tinha sido amigo do ditador na França, simpatizava com a causa da revolução e queria acreditar nos propósitos de seu antigo amigo.  Paul Thomas (Cyril Guei), repórter fotográfico, tinha sua máquina em punho, com a intenção de registrar a verdade dos fatos.

 


Desde o primeiro momento, no entanto, essas expectativas se frustraram.  Para começar, porque eles não desceram em Phnom Penh, mas numa localidade distante, para onde foram levados a uma hospedagem modesta.  Supostamente, essa modéstia seria também a do chamado Irmão No. 1, que algum dia aparecerá, mas está muito ocupado com os vietnamitas, os grandes responsáveis por tudo o que prejudicava o país, como informavam os integrantes do governo. 

 

Ao longo dessa estadia e da espera pela entrevista, o filme nos mostra todo o processo de ocultar a verdade sob o manto de uma propaganda fantasiosa, e a opressão sobre pobres camponeses, em nome de quem o regime dizia representar o povo.  Um coletivismo forçado, da pior espécie, que não dá lugar a nenhuma individualidade, iniciativa ou privacidade, se mostra, querendo não aparecer.

 

Aos poucos, a fome e a morte se evidenciam como as verdadeiras marcas desse período terrível da história cambojana, que o diretor Rithy Panh viveu na pele e mostrou no brilhante documentário “A Imagem que Falta”, também comentado aqui no Cinema com Recheio.

 

“Encontro com o Ditador” tem o grande mérito de ser dirigido com maestria, dando destaque ao que os jornalistas, protagonistas da história, sentem, vivem, elaboram, e como se relacionam naquela situação tão delicada e desafiadora.  A cada passo, como espectadores, vamos sucumbindo àquele drama, provocados por uma realidade asfixiante e cada vez mais perigosa.

 

Forma-se um suspense político e humano muito forte à nossa frente.  Difícil de engolir.  Até mesmo o recurso, já recorrente do diretor, de utilizar bonecos de barro e cenários em miniatura, não chega a aliviar o peso da violência.  As imagens em preto e branco, incluindo antigas gravações, acentuam o sentido da tragédia.  E as imagens filmadas no campo, da localidade, tão devastada e destituída de cores vivas pela fotografia, não deixam margem a dúvidas sobre o desolamento da situação.  Pode ser duro de se ver, mas, acredite, é excelente cinema.



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