Antonio Carlos Egypto
ENCONTRO
COM O DITADOR (Rendez-vous Avec Pol Pot). Camboja/França, 2024. Direção: Rithy Panh. Elenco: Irène Jacob, Grégoire Colin, Cyril
Guei, Bunhok Lim, Somaline Mao. 110 min.
Um dos
grandes cineastas da atualidade é Rithy Panh, do Camboja. Seu trabalho mexe na ferida que insiste em
ficar escondida: a do genocídio promovido pelo ditador Pol Pot, de 1975 a 1979,
em nome de um regime supostamente comunista, do Khmer Vermelho, capitaneado
pelo partido Angkar. Nele, a opressão e
a fome eram a regra e quem ousasse discordar era simplesmente severamente
punido ou eliminado. Dois milhões de
pessoas morreram nesse período.
O
Kampuchea Democrático, como era chamado o Camboja, enfrentava uma guerra contra
os inimigos vietnamitas e isso justificava tudo o que o regime realizava de
opressão.
O
filme “Encontro com o Ditador”, baseado no livro When the War Was Over, de Elizabeth Becker, relata um evento
real. Qual seja, uma visita de três
jornalistas franceses a Phnom Penh, a convite do regime, para conhecer suas
virtudes e entrevistar Pol Pot.
Lise
(Irène Jacob) era uma jornalista familiarizada com o país, que tinha gente
conhecida lá, que andava desaparecida e ela pretendia reencontrar. Alain (Grégoire Colin), um intelectual que
tinha sido amigo do ditador na França, simpatizava com a causa da revolução e
queria acreditar nos propósitos de seu antigo amigo. Paul Thomas (Cyril Guei), repórter
fotográfico, tinha sua máquina em punho, com a intenção de registrar a verdade
dos fatos.
Desde
o primeiro momento, no entanto, essas expectativas se frustraram. Para começar, porque eles não desceram em
Phnom Penh, mas numa localidade distante, para onde foram levados a uma hospedagem
modesta. Supostamente, essa modéstia
seria também a do chamado Irmão No. 1, que algum dia aparecerá, mas está muito
ocupado com os vietnamitas, os grandes responsáveis por tudo o que prejudicava
o país, como informavam os integrantes do governo.
Ao
longo dessa estadia e da espera pela entrevista, o filme nos mostra todo o
processo de ocultar a verdade sob o manto de uma propaganda fantasiosa, e a
opressão sobre pobres camponeses, em nome de quem o regime dizia representar o
povo. Um coletivismo forçado, da pior
espécie, que não dá lugar a nenhuma individualidade, iniciativa ou privacidade,
se mostra, querendo não aparecer.
Aos
poucos, a fome e a morte se evidenciam como as verdadeiras marcas desse período
terrível da história cambojana, que o diretor Rithy Panh viveu na pele e
mostrou no brilhante documentário “A Imagem que Falta”, também comentado aqui
no Cinema com Recheio.
“Encontro
com o Ditador” tem o grande mérito de ser dirigido com maestria, dando destaque
ao que os jornalistas, protagonistas da história, sentem, vivem, elaboram, e
como se relacionam naquela situação tão delicada e desafiadora. A cada passo, como espectadores, vamos
sucumbindo àquele drama, provocados por uma realidade asfixiante e cada vez
mais perigosa.
Forma-se
um suspense político e humano muito forte à nossa frente. Difícil de engolir. Até mesmo o recurso, já recorrente do
diretor, de utilizar bonecos de barro e cenários em miniatura, não chega a
aliviar o peso da violência. As imagens
em preto e branco, incluindo antigas gravações, acentuam o sentido da
tragédia. E as imagens filmadas no
campo, da localidade, tão devastada e destituída de cores vivas pela
fotografia, não deixam margem a dúvidas sobre o desolamento da situação. Pode ser duro de se ver, mas, acredite, é
excelente cinema.
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